Agosto, 2021 - Edição 270
Rúbrica ou rubrica – questão de analogia
A analogia é a tendência a nivelar formas aparentadas pela função, pelo
sentido ou pela grafia. Dito de outra forma: a analogia é o processo de alteração linguística em que uma palavra ou expressão se amolda a um paradigma
por associação morfológica, lexical, sintática ou semântica. A forma “fazi”, por
exemplo, dita por uma criança, resulta da analogia com verbos da 2ª conjugação, como “corri” ou “escrevi”. A analogia é, portanto, a influência que uma
palavra ou expressão exerce sobre outra, alterando-a. Difere da assimilação,
que é uma alteração fonológica, dentro do mesmo vocábulo. É por assimilação
que a palavra latina vipera, que devia dar víbera, em português (cf. viperino,
que significa “próprio de víbora”), mas deu víbora, porque a consoante bilabial
[b] influenciou a vogal seguinte, arredondando-a, tornando-a também labial.
Por assimilação, o grupo consonantal
A analogia é responsável também por alterações fonéticas e morfológicas
do português atual. Há verbos em português em que existe oposição entre as
vogais i/ê e u/ô na 1ª e na 3ª pessoas do singular do pretérito perfeito, como
tive/teve, estive/esteve, fui/foi, pude/pôde. Quando o povo diz “eu trusse” (v.
trazer) está apenas regularizando a alternância vocálica entre a 1ª e a 3ª pessoas
(trouxe soa “trôsse”, daí as formas “eu trusse/ ele trôsse” (verbo trazer).
Da mesma forma, há verbos em que existe oposição entre as vogais i/é
e u/ó na 1ª e 3ª pessoas do presente do indicativo: sigo/segue, firo/fere; tusso/
tosse, fujo/foge. Quando o povo diz “inseste” (v. insistir), “exeste” (v. existir),
“veve” (v. viver), está regularizando a alternância vocálica: eu insisto/ele inseste; eu existo/ele exeste; eu vivo/ele veve (na canção “Açum Preto”, Luiz Gonzaga
canta: “Açum preto veve solto / mas não pode avoá...”)
Há verbos que têm a mesma forma de substantivos de mesma raiz e só se
distinguem deles pela posição do acento tônico, isto é, pelo que em linguística
se chama tasema. Os nomes são normalmente proparoxítonos, e os verbos são
paroxítonos: fábrica/fabrica, árvore/arvore, comércio/comercio, débito/debito, propício/propicio, mácula/macula, influência/influencia, válido/valido,
etc. Assim, quando o povo diz erradamente rúbrica por rubrica, está apenas
generalizando, por analogia, um fato normal da língua, e distinguindo, dessa
maneira, o nome e o verbo.
Aliás, a tendência à monotongação (passagem de um ditongo a uma
vogal simples), com alternância vocálica, também ocorre popularmente para
distinguir um verbo de um nome: rôbo (nome: roubo)/róbo (verbo roubar);
manêra (nome)/ manéra (verbo maneirar) etc.
Como se vê, a analogia é altamente produtiva em português.