Agosto, 2021 - Edição 270
Saul de Navarro, um pioneiro das letras capixabas
Neste ano, a Academia Espírito-santense de Letras completa cem
anos de existência e incumbiu-me a nossa dinâmica presidente, Profª
Ester Abreu, de pesquisar e de divulgar quem foi Saul Navarro, um de
nossos pioneiros. Como não podemos sair de casa e nos encontrarmos
presencialmente, como sempre fizemos, nos encontramos em reuniões
a distância, tudo como manda os protocolos destes nossos tristes dias.
A primeira dificuldade que encontrei foi localizar a obra e saber mais
da vida desse notável escritor capixaba que, hoje, dá nome a uma rua
na Praia do Canto e à biblioteca da nossa Academia. Quando se digita
Saul de Navarro no Google, só aparecem referências comerciais da rua
que lhe dá nome, como “vende-se ou aluga-se apartamento”. A pequena
biografia existente em nosso site, feita por Elmo Elton nos anos 1980,
não ajuda muito e, descobri mais tarde, precisa ser revisada. Felizmente,
quatro de suas onze obras publicadas estão em nossa biblioteca e a BN
digital é uma mão na roda, pois nela encontrei muito coisa, inclusive
tudo que publicou na revista Vida Capichaba (sic) e em jornais da época.
Saul de Navarro é o pseudônimo literário de Álvaro Henrique
Moreira de Souza, nascido em Santa Leopoldina em 1890 e falecido
no Rio de Janeiro em 1945. Passou a infância no Espírito Santo e, mais
tarde, mudou-se com a família para o Rio Grande do Sul, onde fez os
preparatórios para o Curso Superior, em 1907. O pai era médico, mas não
escolheu essa carreira para si, como era comum, e sim o Direito, tendo
cursado a Faculdade de Ciências Jurídicas e Sociais no Rio de Janeiro.
Não se sabe se concluiu o curso, pois nunca advogou, tendo iniciado sua
carreira no jornalismo em 1910, quando começou a escrever no jornal
Imprensa, dirigido por Alcindo Guanabara, seu tutor, considerado, na
época, o Príncipe dos Jornalistas Brasileiros, pois o inconsciente monárquico ainda persistia (e) no povo brasileiro. Atuou nos jornais A Razão,
O Brasil, a Gazeta de Notícias, O Dia, A Notícia e colaborou nas revistas
Ilustração Brasileira, Revista da Semana e Revista do Brasil. Em 1916,
publicou seu primeiro livro, Visões do Século, com 225p. pela Ed. Lethes.
Foi bem recebido pela crítica, no Brasil e no exterior. Passou a colaborar
com as revistas latino-americanas Nuestra América, da Argentina, Hero,
de Cuba, América Latina, do Equador, Plumadas, da Venezuela, dentre
outras. Tornou-se o maior divulgador da literatura latino-americana
no Brasil, como demonstrado na publicação de seu principal livro, O
Espírito Ibero-americano, em 1928. Antes desse, em 1922, lançou Prosas
Rebeldes, livro de 167 páginas, com crônicas, artigos e pequenos contos,
com uma postura ideológica socialista, o que lhe provocou forte crítica
da imprensa conservadora católica.
Com a criação da Academia Espírito-santense de Letras em 1921,
idealizada por Alarico de Freitas, Elpídio Pimentel e Garcia de Rezende,
os escritores capixabas residentes no Rio, Afonso Cláudio, Colatino
Barroso, Mendes Fradique, Saul de Navarro, Ulisses Sarmento, não foram
esquecidos e convidados a participar. Saul de Navarro aceitou e tomou
posse na cadeira 4, em 24 de junho de 1925, tendo feito o discurso Elogio
do Berço e de um Ritmo, em que enaltecia sua terra natal e o patrono de
sua cadeira, Ulisses Sarmento, poeta parnasiano-simbolista, falecido em
1923. De 1925 a 1930, foi delegado fiscal do Tesouro no Espírito Santo,
tendo intensa vida política e social da cidade de Vitória. Mas, em outubro
de 1930, houve o Golpe Militar de Getúlio Vargas, e muitos acadêmicos
perderam seus empregos, inclusive Saul de Navarro. Regressou ao Rio
e nunca mais voltou a Vitória, embora continuasse publicando na Vida
Capichaba até 1933, quando foi para a Europa, onde permaneceu até
1936. De volta ao Brasil, publicou O Segredo de Portugal, em 1938 e O
Mundo que vai nascer, em 1944, e, antes de morrer, em 27 de novembro
de 1945, doou a sua biblioteca para a AEL, inaugurada em 1947, com a
presença de sua esposa D. Isaura Fonseca Moreira de Souza. Não teve
filhos. Em 1948, a rua Rio Novo, na Praia do Canto, em Vitória, passou
a se chamar Saul de Navarro, por Lei municipal, o que fez com que seu
nome não ficasse eternamente esquecido, embora poucos conheçam
sua obra literária.