Agosto, 2021 - Edição 270
Desterro
Que triste é a pena de desterro, de exílio, de banimento. A expulsão da
pátria que amamos para um lugar de solidão, de isolamento, de retiro ermo.
Passar de um estado para outro é assustador. Principalmente aquele hiato que
é o tempo de nos instalarmos em uma nova realidade, como o peregrino que
finca uma tenda no deserto. Não quero baixar muito meu pensamento, nem ter
desejos desmedidos. Quero apenas, esta noite, observar as chamas da fogueira
e aquecer meu coração.
Vêm-me à mente as palavras de uma antiga oração: “...e depois deste
desterro...” Como será feita a travessia para o Céu? Esta Terra é nossa verdadeira
casa? Teremos um canto onde recostar a cabeça? Somos viajantes, “degredados
filhos de Eva”? Espíritos desestabilizados, de índole má? Trouxemos com nossas
corrupções o desequilíbrio energético a este planeta?
Quantos poetas choraram na amargura do exílio. Talvez o mais famoso de
todos os poemas sobre esse tema no nosso imaginário seja “Canção do Exílio”,
de Gonçalves Dias (1823-1864). O poeta relembra a palmeira de sua terra, onde
cantava o sabiá. As aves, as belezas e primores. Suplica a Deus que não morra,
antes de voltar para seu rincão. Pensar que retornava, depois de muito tempo,
ao Brasil, num navio, próximo à nossa costa, quando a embarcação afundou.
Salvaram-se todos, exceto o poeta que, esquecido em seu leito, afogou-se.
Tinha quarenta e um anos, trazia na bagagem a renúncia dolorosa de um amor
impossível e a chaga de uma saudade. Tudo se foi na onda de um último adeus.
Engolido pelo mar, túmulo imenso como seu talento.
O trágico poeta Cruz e Sousa (1861-1898) nasceu em Nossa Senhora do
Desterro, primeiro nome da cidade de Florianópolis, ilha de Santa Catarina.
As correspondências oficiais e as cartas de navegação da época o comprovam.
Depois o lugar se chamou simplesmente “Desterro”, o que desagradava a muitos, pois essa palavra tinha uma carga negativa, de desonra. E assim foi para
Cruz e Sousa, o Cisne Negro. Filho de escravos alforriados, cresceu sob a tutela
e educação refinada de seu ex-senhor. Culto, o poeta aprendeu francês, latim,
grego, dirigiu o jornal Tribuna Popular, onde combateu a escravidão, o racismo, o preconceito. A poesia social, no entanto, não fazia parte de seu projeto
literário. Seus poemas eram musicais, sensuais, às vezes desesperados, outras
vezes suaves, nebulosos, cheios de brilhos. Mas um anjo sem piedade rondou
seus caminhos: quatro filhos mortos por tuberculose; a esposa, Gavita, enlouquecida; a pobreza, a miséria e a humilhação como consequências do trabalho
negado. Foi recusado ao posto de promotor de Laguna por ser negro. No meio
de uma viagem, sentiu-se mal. Morreu sem ar, em Minas Gerais. Seu corpo foi
transportado para o Rio de Janeiro em um vagão de trem, junto com os cavalos.
Desterrado.
Também Camões (1524-1580), no exílio, longe das torres e castelos de
Portugal, comparou-se ao poeta da Antiguidade Clássica, Ovídio (43 a.C.- 17 ou
18 a.C.), que cantara em Desterro, a viragem da fortuna, a desdita e, ao mesmo
tempo, a consolação da poesia, a certeza da glória futura, imorredoura. Que versos pungentes escreveu Ovídio em seu desterro. Ele que era brincalhão, ardoroso, pagou caro, em confins gelados, sua libertinagem em louvor de Vênus e
Eros. Em cânticos sofridos, queixou-se até de ter nascido. Contemplava o curso
das estrelas, via os peixes no mar, as feras no monte, os rios de cristal e escrevia versos arrependidos, entre lágrimas. Afastado para sempre de um bem que
possuiu outrora. A mudança fez sua trajetória frágil e transitória. E Camões, seu
discípulo, identificou-se com o mestre desterrado na aspereza daquelas terras
bárbaras.
Causa-me arrepios lembrar que os inconfidentes presos foram desterrados para a África, onde morreram. Exceto Tiradentes, enforcado pelo crime de
lesa-majestade, após três anos de cárcere e, depois, esquartejado. Por certo, uns
padeceram mais que outros, passando dificuldades e privações. Alguns logo
sucumbiram na depressão e nas doenças tropicais. Outros exerceram cargos
e ofícios, espalhados por Moçambique, Luanda, Guiné e Cabo Verde. Tomás
Antônio Gonzaga (1744-1810), o poeta romântico de Marília de Dirceu, casou-
-se com uma viúva, teve filhos, trabalhou como advogado a serviço de senhores
negreiros. Os inconfidentes... todos proscritos, apanhados no laço da desgraça.
Que pena dura a de termos sido expulsos de uma vida plena no Paraíso.
Mas, mesmo neste desterro, mesmo em perigo, quando escrevo, eu me sinto
feliz.