Junho, 2021 - Edição 268
A boiada passa e ameaça
“Porque há o direito ao grito. Então eu grito”
(Clarice Lispector – 100 anos)
Esses últimos dias foram excitantes e férteis em notícias. Infelizmente não favoráveis à estrutura de comando (ou desmando?) do país.
Não me deterei no frisson que o Datafolha provocou com sua ampla pesquisa
sobre Bolsonaro, virado e revirado em mil e uma facetas pessoais, além de perdedor nas
eleições de 2022 em todos os cenários. Um espanto.
Não me deterei no acúmulo de reclamações da CPI desvelando indícios preocupantes de corrupção nas compras de vacina. Muito menos formalizarei aqui reclamações sobre o presidente pelas declarações públicas, quando não agressões verbais a
interlocutores mimoseados com palavrões chulos.
Tampouco me deterei sobre a quase crise institucional entre o senador Aziz, presidente da CPI, e o ministro da Defesa.
Mas caberia aqui, sim, me deter sobre a inconveniência de declarações recentes
de dois porta-vozes do governo. O atrabiliário canastrão ministro Onix Lorenzoni, a
acusar ameaçadora e desastradamente os irmãos Batista, que foram ao Alvorada apenas
para denunciar movimentos suspeitos de corrupção sobre a vacina indiana Covaxin,
além de envolver o líder do governo na compra de mais de um bilhão de dólares a preços
supostamente superfaturados. Ou seja, entendo o episódio mais como uma colaboração
a um governo que se diz honesto do que um ataque e perseguição. A racionalidade parece fugir nesses tempos. Outro porta-voz, este comandante da Aeronáutica, oficial de
perfil discreto e elegante, foi infeliz em certas assertivas, especialmente ao pronunciar
frase que provocou mal-estar e polêmica – “homem armado não ameaça”. A fala do porta-voz do ministro da Defesa em muitos outros momentos foi positiva e esclarecedora,
como – “façam o devido processo legal na CPI, doa a quem doer. Corrupção é intolerável
para nós, a instituição militar como um todo”
Acompanho a CPI como quase todo o povo brasileiro e vejo no senador Aziz uma
figura interessante e firme como presidente. As sessões são abertas com o juramento
dos depoentes de dizer a verdade. Que se transformou rapidamente em oceanos de
mentiras, até risíveis quando transfiguradas em silêncio vexatório. Lastimei a generalização de um político calejado como Aziz ao nomear uma banda podre dos militares,
sem definir a meia dúzia de tenentes coronéis investigada na saúde. O que ouriçou o
Ministério da Defesa, ampliando ainda mais o incidente, já que o titular general Braga
se declarou atingido, bem como todo Ministério a seu comando. Felizmente os ânimos
se arrefeceram, mas cabe aqui rogar prudência, muita prudência, em momentos a flor
da pele como esse, quando fios desencapados por denúncias de corrupção estão a dar
choque a torto e a direito.
De fato, cada um dos tópicos acima mereceria comentários mais alongados. Não
me detenho neles porque outro assunto me comove mais que todos, o prosseguimento
da cadeia de más intenções para destruir o meio ambiente e a diversidade da fauna,
flora e água potável na imensidão deste país tão fértil. Quando pensávamos que a boiada não mais passaria com a defenestração (tardia, embora) do execrado Ricardo Salles,
eis que a Comissão do Meio Ambiente da Câmara põe de pé as teses destruidoras do
chefe da boiada. Ele ressuscita dos infernos e incorpora a deputada bolsonarista Carla
Zambelli (PSL-SP). Eis que surge a verdadeira “banda podre” para destruir a ecologia.
Esta, em maioria parlamentar, aprova projetos rejeitados pelos ambientalistas decentes.
Entre eles o que dificulta a criação de novas unidades de conservação e o que
liberou a prática da crudelíssima vaquejada como esporte. O grupo da malignidade
segue empenhado no combate às multas ambientais, a quem infringe leis de preservação da natureza. E, atenção, os inimigos da ecologia acabam de aprovar proposta antiga
do capitão: a que inclui militares e bombeiros no Sistema Nacional de Meio Ambiente,
medida vista pelos ambientalistas como militarização de serviços essenciais como
fiscalização, licenciamento e autos de infração. Atribuições até então de técnicos civis
formados em universidades e cursos superiores.
Nem tudo é desolação. Acabei de ver há pouco na TV uma pequena luz ao fim
do túnel. Bolsonaro visitou nesta segunda-feira o presidente Fux, do STF, e ambos se
declararam em compromisso com a manutenção do estado de direito e com o regime
representativo para eleições livres em 2022. Mais: anunciaram reuniões conjuntas com o
Presidente do Congresso Nacional. Ou seja, os três poderes conversarão para sustentar a
democracia. Ao vivo e a cores. Vocês acreditam? “Se non è vero, è ben trovato.”
P.S: Já nas Livrarias da Travessa o livro de crônicas Pandemia e Pandemônio –
Relatos indignados, de Ricardo Cravo Albin (Editora Batel), com recomendações de
Margareth Dalcolmo, Nélida Piñon e Jerson Lima (médico e cientista).