Julho, 2021 - Edição 269

Reflexões sobre a arte da escrita - A literatura contra o fascismo na obra e na vida de Ada Gobetti

Ada Prospero Gobetti (1902-1968) foi uma escritora, intelectual, educadora e política italiana, da cidade de Torino, que viveu os conflitos e as dificuldades das duas Grandes Guerras Mundiais, sendo que se envolveu diretamente no segundo conflito. Ela deixou uma obra de grande densidade intelectual na qual figuram livros didáticos e sobre educação, análise literária, livros infantojuvenis (é muito famoso o seu Storia del Gallo Sebastiano), dentre outros. Além disso, ela contribuiu desde muito jovem, até o fim de sua vida, com textos em diferentes revistas. O seu livro Diario Partigiano, de 1956, constitui uma obra fundamental até hoje para a melhor compreensão do movimento de resistência italiana. A obra traz uma expressão autoral única em que a autora aborda, com o olhar da mulher de seu tempo e de quem viveu os fatos narrados, as questões do cotidiano da luta contra o fascismo, sem deixar de lado profundas reflexões sobre o sentido da existência.

Não menos importante é a correspondência publicada entre ela e o seu marido Piero Gobetti (1901-1926), intitulada Nella tua Breve Esistenza. Lettere 1918-1926. Na obra, vemos descortinar não apenas a história de amor entre os dois, mas o amadurecimento intelectual e humano de uma mulher que, já no início do século XX, aborda questões como a liberdade feminina e o antipatriarcalismo, por exemplo. Nas suas cartas, vemos também o seu amadurecimento intelectual enquanto estuda línguas, filosofia e lê com profundidade os clássicos e os seus contemporâneos. Ada consegue obter a graduação de Filosofia em 1925, dedicando-se, em seguida, aos estudos de literatura e de educação.

Logo Piero e Ada começam a trabalhar em vários periódicos antifascistas. Tendo ele mesmo fundado a revista de literatura Il Baretti (1924-1928), que teve colaboradores escritores e intelectuais com a espessura de Eugenio Montale (1896-1981) e Natalino Sapegno (1901- 1990), dentre outros. Mas, devido ao seu caráter progressista, não demorou muito para que o periódico fosse perseguido pelo regime fascista.

É nesse contexto de perseguições fomentadas pelo fascismo, caracterizado pela falta de liberdade civil, social, intelectual e política, que Ada sofrerá um luto terrível que carregará consigo durante toda a vida. Em 1926, o seu marido é espancado, em frente a sua editora, por defensores de Mussolini (os chamados squadristas), que nada mais eram do que populares apoiadores do regime que se uniam para perseguir, espancar e até matar os opositores do fascismo e de seu líder. Ela e o seu marido, que também era o seu amor desde a tenra juventude, fogem para a França com o filho, que tinha, então, apenas algumas semanas de vida. No entanto, Piero não consegue sobreviver às consequências do ataque e falece poucos dias depois em Paris. Depois da morte de seu marido, Ada retorna para a Itália e começa a trabalhar na linha de frente do movimento de resistência italiana (ou movimento partigiano, como também é conhecido), que lutava clandestinamente contra o regime fascista. Pouco a pouco, ela participa da luta armada, assume postos de comando, administrativos e organizativos dentro da resistência militar e política contra o fascismo. Ao lado de seu filho Paolo Gobetti e de outros companheiros, participa de guerrilhas contra os fascistas na região do Val diSusa, experiência que marcará profundamente a sua vida. Depois da guerra, ela, inclusive, terá o seu trabalho reconhecido pela república italiana, tendo sido, inclusive, agraciada com a Medalha de Prata de mérito militar e uma patente condizente com a sua atuação durante o conflito

Por William Soares dos Santos - Professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ e escritor