Julho, 2021 - Edição 269
É conversando que a gente se entende
O isolamento adotado em função da pandemia de Covid-19 acelerou o
processo de mudança de hábitos que teve início com o surgimento das redes
sociais. Refiro-me à diminuição da conversa entre as pessoas. Em vez de prosear, a maioria prefere teclar ou gravar mensagens. No entanto, há quem diga
que a comunicação virtual pode comprometer para sempre as relações humanas.
Antigamente, na impossibilidade de encontrar os amigos e familiares,
passávamos horas falando ao telefone. Mesmo a distância, a conversa é direta
e mais objetiva que a comunicação por meio de GIFs, fotos, gravações, lives ou
textos curtos. A boa prosa evidencia a emoção, o tom e a intenção do discurso.
Tanto que a psicanálise se dá pela fala do paciente. Nas redes sociais, ficamos
mais sujeitos aos ruídos e ao desentendimento.
Isso talvez explique a carga de hostilidade presente no ambiente virtual,
bem como a ruptura de velhas amizades por mera discordância de ideias e
opiniões, sobretudo no âmbito político. A coisa piora quando se trata do debate aberto em grupos da internet, que expõem publicamente os participantes,
gerando constrangimento e mal-estar. Como dizia o saudoso Chacrinha, “quem
não se comunica se trumbica”.
Um bom diálogo, ainda que por telefone e sem os irritantes picotes e
travamentos do Skype ou do WhatsApp, permite modulação e inflexões vocais,
o que dá às palavras o sentido mais próximo daquilo que desejamos expressar. Deve ser por isso que os serviços de telemarketing insistem tanto em falar
conosco à viva voz, em vez de apenas enviar mensagens frias pela internet.
A importância da fala
Quem convive com adolescentes já deve ter notado que muitos preferem
teclar em vez de telefonar ou conversar tête-à-tête. De certa forma, os apetrechos tecnológicos funcionam como trincheiras para a timidez e a dificuldade de
argumentação. O curioso é que muitos adultos entraram na onda. O resultado
disso é a diminuição no repertório de palavras, bem como o aumento da ansiedade e diminuição da empatia.
Fato é que a evolução humana está diretamente ligada ao progresso
cognitivo proporcionado pelo dom da fala e pelo domínio de vocabulário. A
argumentação oral é indispensável à nossa espécie, sendo o que de fato nos
diferencia dos outros animais. Sem conversar, o homem certamente ainda estaria nas cavernas. A boa prosa é tão ou mais importante que a própria invenção
da escrita.
Com o isolamento social, também aumentaram o trabalho home office,
o ensino a distância e as terapias virtuais. O prolongamento desse estado de
coisas poderá ter sérias consequências no futuro próximo, sobretudo para as
novas gerações. Afinal de contas, boa parte das relações sociais é construída na
escola e no ambiente profissional. O contato pessoal e o olho no olho também
são fundamentais para o bom resultado terapêutico.
Somos seres gregários e tribais, carentes de afeto e atenção. Portanto, a
socialização nos ajuda a amadurecer emocionalmente. Os bares vivem cheios
não só porque vendem bebidas, mas por serem espaços democráticos de convivência. A internet tem sua utilidade, mas não podemos nos permitir ser isolados
em bolhas virtuais que podem atrapalhar o desenvolvimento pessoal e coletivo.
Nenhuma live, por melhor que seja, é capaz de substituir a emoção do encontro.
Sem dúvida, as novas ferramentas de comunicação não devem ser abandonadas ou banidas do nosso dia a dia, o que, aliás, seria impossível. Contudo,
temos que aprender a lidar com elas sem abrir mão do bate-papo ao vivo, da
empatia e das relações interpessoais. Até porque o objetivo da tecnologia é
contribuir para a evolução e o bem-estar das pessoas, e não para a derrocada
do ser humano enquanto espécie. Passada a pandemia, será urgente corrermos
para o abraço.