Junho, 2021 - Edição 268
Rubem Braga e o samba
Para o público em geral, a produção literária de Rubem Braga trata-se de
escritos repletos de sentimento, que se
ocupam das coisas simples do dia a dia,
envolvendo-as num lirismo agradável de
ler. Essa é a faceta revelada nos diversos livros publicados, reunindo crônicas
escolhidas pelo autor dentre a sua produção e que, opinião unânime, ajudaram
a alavancar essa espécie de texto a estilo
literário consolidado. Mas, e não se ignora, o estilo crônica admite uma variedade
de abordagens dos assuntos de que trata
e de pontos de vista sobre os fatos de que
cogita. No celebrado texto A Vida ao Rés
do Chão, Antônio Cândido propõe vieses interpretativos que, mesmo não
ocupando aquele leitor despojado de preocupações analíticas, dá a todos
pistas sobre “o que esperar” ao iniciarmos a leitura de um bom cronista.
Rubem, obviamente, incluído.
Só que essa coisa de rotular estilos e autores pode não funcionar
muito bem, e Rubem Braga constitui-se num início de conversa para
quem pensa dessa maneira. A propósito disto, em boa hora saíram em
livro crônicas do autor não reunidas antes nesse formato: iniciativa da
Autêntica, de 2016, cujos pesquisadores compuseram três volumes de
escritos sobre política brasileira, arte e artistas, música e músicos. Em sua
maioria, são registros quase que instantâneos, da época de publicação:
a crônica “comentário de jornal”, da definição mais prosaica. Não fosse,
obviamente, o estilo pessoal de Rubem, diferencial que confere perenidade aos textos e que justificou a sua republicação.
Dos retratos 3 x 4, espécie de biografia corrida de personagens da
cena cultural, a impressões sobre shows, eventos, exposições, nesses registros, o estilo mordaz e as tiradas sarcásticas afloram aqui e ali, e nunca
fora de lugar. Mordacidade, aliás, não apreciada por alguns, caso de José
Lins do Rego, que “há tempos, na presença do jornalista Osório Borba”
ameaçou o cronista “de uma surra de chibata se eu o atacasse” (Carmen,
Folha da Tarde, 24/07/1939). Afirmação que se compreende ao se ler, por
exemplo, Valores, publicada também na Folha da Tarde, em 4 de outubro
de 1939, defesa de Carmen Miranda e Leônidas da Silva das críticas de um
articulista: “afinal de contas, quem não é intelectual neste país?” Questão,
de resto, atualíssima.
Mas deixemos de polêmicas do início de carreira do autor. Dentre
esse repositório, revelador da variedade dos seus interesses, sobressai o
apreciador do samba: “é preciso gostar do samba, e para gostar do samba
é preciso conhecer o samba”, “porque a verdade é que muita gente gosta
sem conhecer. E o pior é que muita gente não gosta nas mesmas condições” (O morro não é dos malandros, Vamos Ler!, 26/11/1936). Tema de
interesse social que mais adiante permite ao cronista a constatação: “além
do aumento de salários (que não houve, a não ser em papel moeda, que
não mata a fome nem veste ninguém), lembra-se o Ministério do Trabalho
de culpar as letras de samba da queda de produção. O operário trabalha
menos porque ouve sambas a favor da malandragem” (Sambas, Diretrizes,
24/05/1946). E por aí vai, em épocas pós-Estado Novo. Lúcido e mordaz.
A boa crônica, lecionou Antônio Cândido, faz-se de assuntos corriqueiros, “fica perto de nós”. Refletir sobre a realidade do país pela pena
dos cronistas é viés interpretativo relevante. Daí que esse olhar social de
Rubem Braga está a merecer bem mais atenção.