Junho, 2021 - Edição 268
O Brasil é um país seríssimo
Depois de 28 anos visitando o Brasil apenas 2 ou 3 semanas por ano,
pude finalmente passar 4 meses no início desse ano no Brasil. Quem pensa
que morar no exterior faz com que a gente perca contato com a realidade
do Brasil está enganado. As fontes de todos em qualquer lugar são as mesmas: mídia e redes sociais.
Por outro lado, o cotidiano nos mostra que o Brasil é um caso sério.
Seríssimo. Tinha quase esquecido das motos feitas barulhentas de propósito, dos motoristas agressivos e machistas que ficam forçando passagem, da
existência de despachantes e de leis absurdas, de grades e portões gritando
insegurança por todos os lados.
Ao mesmo tempo, há um contraste imenso entre a agressividade
coletiva latente e a doçura carinhosa, quase inconsciente, de cada um. Eu
nunca veria nos EUA ou na Europa um funcionário de uma companhia aérea quase rolando no chão do aeroporto para brincar com nossa cachorrinha. Nunca vemos nos países mais sérios uma piada espontânea como
resposta imediata ao surrealismo absurdo de cada dia.
De fato, parece que não nos levamos muito a sério. É um caso sério.
Coisa de paixão, de emoção, intuição, coisa do lado direito do cérebro
tomando conta do coração. E vice-versa.
Vi riso e choro fácil, discurso improvisado na praia, atos de carinho
entre estranhos, gente que até dá informação errada para tentar ser útil ou
não admitir que não sabe.
Não sei se esse jeito brasileiro de ser é bom ou ruim para o país. Não
sei se algumas guilhotinas em lugares estratégicos nos fariam um país
melhor. Não julguei, não condenei, não absolvi. Absorvi. Tomei guaraná
sem culpa, comi pão de queijo, cantei parabéns com direito a brigadeiro.
O fato é que cada vez sei menos, construindo a matriz das experiências, dialogando com a planilha. Só sei que um dia vou chegar ao epílogo,
comendo o pão nosso e sorvendo o leitmotiv de cada dia.
– E aí? Tudo bem? Kekiá de novo?
– Nada. Vamos rindo.
Um ser humano. Consegue até ser sério de vez em quando.