Junho, 2021 - Edição 268
Entrevista - Antenor Barros Leal
Entrevista transmitida em nível nacional, no Programa Identidade Brasil, apresentado, por Arnaldo Niskier, no Canal Futura.
O Brasil é um grande parceiro
Arnaldo Niskier:
Antenor Barros Leal foi presidente da Associação Comercial do Estado do Rio de Janeiro, também foi vice-presidente da FIRJAN – Federação das Indústrias do Rio de Janeiro e um dos fundadores da Associação dos Produtores de Trigo em nosso país. Por que esse envolvimento com o trigo? Isso foi no Rio ou foi em outro estado?Antenor Barros Leal:
Profissionalmente vim para o Rio, em 1972, para fazer parte da direção de um grupo econômico do Ceará, que tinha como atividade principal o trigo, e desenvolvi minha atividade. Até que, anos depois, passei para outra empresa e desenvolvi uma presença no setor criando a Associação Brasileira da Indústria do Trigo, uma indústria profundamente importante na alimentação do país, e me fiz aqui no Rio. Assumi essa cidade maravilhosa como a minha própria, não me desvinculei do meu estado natal e, profissionalmente, fiquei aí até mais uns 10 anos atrás, quando passei para uma atividade própria de negócios e aconselhamento na área imobiliária.Arnaldo Niskier:
Em relação ao trigo, quais são as relações que temos com os Estados Unidos? São boas? O Brasil produz, o Brasil importa ou exporta? Qual é essa relação?Antenor Barros Leal:
O Brasil é um importador de trigo, o Brasil é um exportador de soja, de algodão, de milho, mas todos os países têm habilidades, capacidades de produzir alguns produtos mais ou menos. Não somos bons produtores de trigo. Consumimos por volta de 11 a 12 milhões de toneladas por ano e importamos por volta de 5 a 6 milhões. O trigo brasileiro é produzido no Paraná e no Rio Grande do Sul, 90% da produção ocorre nesses dois estados. Importamos o saldo necessário da Argentina, prioritariamente, pela distância, pela facilidade de moeda, pela redução do custo do transporte e o resto importamos dos Estados Unidos. Somos importadores dos Estados Unidos, há mais de 100 anos. Começamos importando só dos Estados Unidos, depois importamos do Canadá e depois a Argentina passou a ser produtor importante, de qualidade, e importamos também muito ainda hoje da Argentina. Pode-se dizer que a metade da produção da Argentina fique mais ao Sul do país e, junto com a produção nacional, é exportada, trazida para o sudeste e norte do país. As importações dos Estados Unidos ficam, preponderantemente, no Rio e em São Paulo.Arnaldo Niskier:
Como especialista na matéria, como você vê o início da gestão Joe Biden, nos Estados Unidos, e o que ele promete ser a relação que fará com o Brasil?Antenor Barros Leal:
Estou absolutamente confiante que a relação entre Brasil e Estados Unidos vai continuar firme, forte. O Brasil é um grande parceiro dos Estados Unidos e os Estados Unidos são parceiros fundamentais na nossa atividade econômica. Imaginar que tivéssemos algum atrito ou, como algumas pessoas possam imaginar, que teríamos problemas com os americanos, não acredito. O presidente Biden já esteve no Brasil, tem ótima relação com os brasileiros, tem amigos brasileiros. Nossa relação com os Estados Unidos tende a ser melhor, vai ser mais produtiva, vai trazer progresso para ambos os países.Arnaldo Niskier:
O comércio se ressentiu muito da existência da pandemia?Antenor Barros Leal:
O comércio sofreu, foi a parte que mais sofreu, a indústria vem em segundo lugar, mas o comércio e serviço, seguramente, pagaram a conta maior. Turismo, hotelaria, restauração, isso tudo pagou um preço muito alto, houve um exagero nesses empreendimentos, fechou quando não devia fechar, abriu quando não devia abrir. O mundo inteiro estava aprendendo com essa maldita praga e cometeram-se erros de um lado e do outro. Acho que estamos começando a sair, a economia brasileira, no ano passado, se portou muito bem. Havia uma previsão que seria um acidente, que cairíamos 10%, não caímos, caímos 3%, foi um dos melhores países que responderam economicamente à crise. Acho que o problema foi grande, está sendo reduzido. Evidentemente, o pessoal do turismo, da aviação, do transporte interestadual, do turismo interno e externo está pagando o preço, a recuperação está vindo pouco, logo depois.Arnaldo Niskier:
Gostaria de saber sua opinião sobre o mal que a pandemia fez à educação, fechando escolas. O que lhe pareceu isso?Antenor Barros Leal:
Sua pergunta é exatamente a resposta. É um mal. Foi outro setor que andamos muito mal. Fechar escolas, em vez de tomar providência de distanciamento, foi um erro grave. A educação é absolutamente fundamental e não se pode errar. No seu livro Memórias da Quarentena, o professor faz uma citação de uma importância tão grande que todas as pessoas deviam ler e sobre essa frase pensar. A frase diz o seguinte: “Eduque uma criança, você não vai ter que prender um adulto.” Essa frase tem tanto poder, tanto poder esclarecedor, é um poder revolucionário. Educação é algo tão importante na vida de um país que não precisaria usar o exemplo do Japão ou da Coreia ou da Alemanha ou de Israel ou americano para provar que a educação é a base. O que nos diferencia de um país desenvolvido não é a quantidade de minérios, a quantidade do que produzimos, mas sim a quantidade de inteligência bem usada. Somos um país que, em 1970, tinha 90 milhões em ação, pra frente Brasil, pra frente, seleção. Hoje somos 210 milhões e desses, lamentavelmente, ainda se encontra número grande de analfabetos. Todo ministro da Educação se refere a esse fato lamentável de que ainda temos muitos analfabetos. Temos uma quantidade enorme daqueles que não leem ou, se leem, não entendem o que leem. Sem educação não vamos a lugar nenhum. Não adianta ter soja para exportar, petróleo para refinar. O que importa é ter inteligência para produzir cidadãos. A frase diz: “Eduque uma criança, você não vai ter que prender um adulto.”Arnaldo Niskier:
É isso mesmo que acontece. E há uma certa incoerência aí na praça. Facilitaram um pouco a vida de bares, de restaurantes etc. Acho que essa parte não foi bem conduzida. Você tem experiência em ensino remoto. Como você viu esse aspecto do ensino a distância nesse processo?Antenor Barros Leal:
Essa é uma coincidência positiva no sentido de que a possibilidade de aulas via internet encontrou uma quantidade de jovens apta a fazer isso. Antigamente, quando as pessoas não tinham acesso, teria sido pior, mas hoje, como seus netos trabalham essas máquinas com grande facilidade, só foi pior para aquelas pessoas que não tinham um smartphone, um computador em casa. Esse fato, junto com a capacidade das crianças em manobrar esses equipamentos, supriu um pouco a falta da escola. Não supriu plenamente, porque a escola tem o componente de socialização, de troca de ideias, de troca de amizade, o que prova que houve um erro grande no encaminhamento desse assunto.Arnaldo Niskier:
Há uma ideia de reviver o Centro do Rio como local de moradia. Isso devido ao problema de transportes e outros mais. Você é favorável à comercialização do centro da cidade, mas como moradia?Antenor Barros Leal:
Muito favorável. Muito. O Rio não pode ser diferente de outras cidades. Em qualquer cidade do mundo, há pessoas morando em todos os locais. Na 5ª Avenida, que é um centro americano de comércio, milhares de pessoas moram ali, moram ao lado, moram na 6ª avenida, moram na Madison, moram juntos. Acho que ocupar o Centro do Rio, principalmente nessa parte antiga, tinha que ser explorada. O prefeito Eduardo Paes sempre pensou nisso, tomara que invista nisso profundamente para fazer ali apartamentos de dois quartos e permitir que as pessoas voltem a morar no centro da cidade. Não tem por que excluir uma parte tão bonita da cidade da moradia para que as pessoas possam andar perto de casa, ter supermercado. Aliás, nas paralelas da Rio Branco, tem alguma vida comercial que poderia ser expandida com a moradia das pessoas. Acho que o prefeito tem uma ideia interessante, a sua Academia Brasileira de Letras também pensou nisso, a Associação Comercial já pensou nisso e vai voltar o assunto com o prefeito Eduardo Paes. Tenho a impressão de que o conjunto da inteligência da cidade vai forçar que o Centro volte a realmente a fazer parte da cidade.Arnaldo Niskier:
Gostaria de ouvir sua opinião sobre essa atividade de preparação dos jovens para o trabalho.Antenor Barros Leal:
Sempre digo, quando converso com as pessoas, que, dentre as diversas posições que já assumi, a que me deu mais orgulho, mais sensação de realização pessoal, foi quando, junto consigo, administramos o CIEE, porque ali transformamos pessoas. Nada é mais diferente do que um aluno, um jovem que chega no CIEE hoje e daqui a um ano. A diferença é abissal. Transformamos vidas. Somos, de repente, transformados quase em entidades divinas, porque transformamos vidas, damos oportunidade às pessoas, abrimos destinos, abrimos estradas e não há no seu currículo de jornalista, acadêmico, escritor, nada que se compare ao seu trabalho no CIEE. Seu trabalho no CIEE é o trabalho da transformação de vidas, é a oportunidade que Deus lhe deu, agora como presidente, excepcional. Pode bater no peito e dizer: “Eu transformo a vida de 30 mil jovens por ano.” Isso é um privilégio maravilhoso que nos foi dado. Então, o trabalho do CIEE é um trabalho maravilhoso, transforma vidas, cria estradas, dá destinos. Não há outras palavras para definir esse trabalho excepcional do CIEE.Arnaldo Niskier:
Acho que complementaria seu belo pensamento se falasse do relevo que tem, nesse processo de formação de jovens e aprendizes, estagiários e aprendizes, a boa educação que é necessária para essa transformação. O que tem sido feito para educar esses jovens é com ajuda de entidades que você conhece muito bem, como SESC, SENAC, SENAI, SESI? Isso tudo junto faz essa transformação? O que você acha?Antenor Barros Leal:
Você realmente tocou num ponto impressionante. Essas entidades se fizessem, com seus imensos recursos, parte do trabalho que o CIEE faz, realmente justificaria a sua existência. Seria muito interessante se essas entidades se chegassem ao CIEE para aprender como é que, com tão pouco recurso, produzimos tanto. É um exemplo maravilhoso de como transformar pessoas sem gastar muito, sem fazer prédios fabulosos, sem tapetes caríssimos, sem automóveis, sem viagens internacionais produzindo pessoas, produzindo destinos. O CIEE tem muito que ensinar a essas entidades. Eles deveriam se aproximar do CIEE para saber que milagre fazemos com tão pouco dinheiro, porque tem amor, tem preocupação com o país, isso é coisa que não tem preço. Preço é a sua alma, seu coração, sua vontade de ajudar o país.Arnaldo Niskier:
De vez em quando acordamos com uma notícia de que o governo federal quer botar a mão nesses recursos, quer usar esses recursos com outras finalidades não muito claras, pelo menos para mim. Você acha que faz sentido essa “sociedade” em que o governo federal quer tomar uma parte dos recursos do chamado sistema S? Isso não é uma aberração?Antenor Barros Leal:
Gosto muito (pela minha profissão) de fazer análise de custo/benefício. É muito importante que essas entidades comprovem que o custo/benefício delas se justifica. Isso significa: a cada real recebido, a cada real retornado à sociedade. Nós do CIEE, se fizéssemos isso, teríamos uma nota excepcional e o professor, por ser presidente de um CIEE importante, sabe o que significa retorno sobre investimento. Acho que o trabalho dessas entidades tem sido importante, mas precisam provar ao governo que são realmente fundamentais para o futuro do país. Se não comprovarem que esse custo/benefício é importante para a sociedade, não precisam existir. Mas se, pelo contrário, provarem que caminham bem, educam, instruem, transformam pessoas, se justifica. Não há nada melhor para um argumento do que fatos comprovados de custo/benefício, de como foi empregado o dinheiro. Acho que isso é uma missão própria da entidade. As entidades precisam comprovar sua existência. O CIEE, que é uma entidade que não recebe nenhum centavo do governo, produz vidas, produz destinos à custa de seu próprio esforço e das empresas parceiras, é um exemplo disso. Como que, com tão pouco, produzimos tanto? Esse tipo de conta há de ser feita para respeitar a sociedade.Arnaldo Niskier:
E é um trabalho sério. Por isso acho que o número de jovens estagiários, jovens aprendizes que procuram o Sistema é crescente e a satisfação de estarem vinculados a esse sistema é muito grande. Concordo com você que era preciso um pouco mais de agressividade na parte de relações públicas, enfim, na parte de imprensa propriamente dita, mas isso virá com o tempo. Há também uma contrapartida que é o próprio governo tomar juízo e verificar que não é aí que está o problema. Os problemas econômicos são outros e a própria exigência do auxílio emergencial tem mostrado que é preciso fazer muito mais do que tem sido feito.