Maio, 2021 - Edição 267

Os selvagens clarões de Carlos Nejar: a infância, Deus e a palavra

O livro A Tribo dos Sete Relâmpagos (Editora Life, 2020) é uma peça filosófica romanesca advinda da magia verbal de Carlos Nejar (1939-). Dizia Mallarmé que “o poeta aperfeiçoa as palavras da tribo” e Carlos Nejar enfatiza que “de tanto me espelhar nas palavras, elas se parecem comigo”. Assertiva conceitual, porque a narração do livro é um retrato do tempo através dos sonhos e das visões.

A obra é uma celebração à infância, a Deus e à palavra. É também uma fábula deslumbrante sobre a morte e a eternidade. Nela, encontro os matizes caros à cosmogonia nejariana, como a ressurreição do pensamento que se eleva com um discurso profundo sobre a natureza da alma humana e dos seus descaminhos.

A estória acontece no Brasil, portanto, na América. A ficção se desenvolve em primeira pessoa e a personagem principal chama-se Pampa. Nejar demonstra o seu amor por sua terra natal e transfigura a sua mulher, Elza, em Elva, ou seria Eva? Tudo parece esquecer, para lembrar.

Sete relâmpagos são os guizos da morte. A tribo é uma liturgia imaginária sobre o paraíso. A floresta é o jardim do Éden, onde Pampa, ou seria Adão?, conhece a luz, a loucura, a beleza e a imperfeição.

A narrativa perpassa pela civilização e pela selvageria arrebatadoras. Carlos Nejar sabe, como nenhum outro criador, reinventar a tradição bíblica, pois opera com o sagrado. As suas representações são galopes, repletos de provérbios extraordinários. Há no romance uma passagem vigorosa sobre os Solaios, grupo de índios canibais em guerra com os Tumuios, seus inimigos. Nesse trecho, encontro uma valorativa simbologia indianista, que rememora a mitologia e a cultura indígenas, com descrições xamanistas e impressões agudamente idealizadas.

A obra de Carlos Nejar é uma cintilação de linguagem surreal e fascinante: “O tempo é mágico, por ninguém saber como ele veio, ou se forma.” E ainda: “Quando se tem pouco a dizer da infância, a infância tem muito a dizer por nós.” Seu estilo é inconfundível, prosa iluminada, que arvora o leitor de maneira poética e visceral.

Não posso detalhar o enredo, porque compete ao apreciador da alta literatura desvendar os seus inúmeros segredos, mas antecipo que o encantamento será uma plenitude de ritmos, pois estamos diante de um bardo, cuja genialidade faz clarão sobre a memória do homem e amplia o universo existencial com os seus cavalos e ventos de signos invencíveis.

Vivemos tempos de escuridão e os relâmpagos da incerteza, furiosos nos apavoram. O belo título A Tribo dos Sete Relâmpagos atmosfera a verdade sobre as velozes necessidades da vida, bem como sobre a entrega definitiva de Carlos Nejar ao coração do Absoluto: “(...) até onde a infância de Deus é palavra. Até onde é Deus: acordando.”

Por Diego Mendes Sousa - Poeta piauiense.