Maio, 2021 - Edição 267

O inimaginável depois do amanhã

Atualmente, o orbe experimenta a existência de uma população de viventes, que atinge o patamar de oito bilhões de seres humanos cujas ancestralidades se mesclam no tempo difuso da criação, onde a sobrevivência racial é determinada pela mutabilidade comportamental. Viver significou sempre sobreviver aos enfrentamentos grupais na luta diária pela alimentação corpórea, movida pelo instinto da fome, sensação que o tálamo do córtex neuronal determina de forma regulatória, satisfativa.

A cultura grega nos primórdios civilizacionais, herdadas de gentios pretéritos na gênese, humana, afirmava ser o tálamo – o quarto, o leito nupcial da intimidade–, algo subliminar, uma alcova existencial. O tálamo é o leito conjugal do pensamento!

Os seres humanos ainda não conhecem as profundezas da caixa craniana e seu universo neuronal, limitando-se a embelezá-la, externamente, empoando cabeleiras ou lustrando carecas luzidias. Simples exercícios, aparentemente beócios, regidos pela cogência da vaidade humana.

A vida telúrica é a resultante das guerras e seus hiatos, a dita paz. As lutas, ao dizimarem bestialmente existências de toda ordem, movem as falanges humanas aos limites de suas sobrevivências. Sobreviver é algo atávico!

Quando se afirma ser o inimaginável depois do amanhã um eterno luzeiro a bruxulear nossas expectativas, frente às cíclicas pandemias e pestes de todo gênero, constatamos que os inimigos não usam couraças, sequer lanças e escudos.

Ameaçam-nos pelos ínvios caminhos da invisibilidade. Os inimigos usam suas carapaças não detectáveis pelo olhar humano.As bactérias são unicelulares e os vírus são micro- -organismos acelulares, a conformar as pestes pelo mundo, movidos pela transmissibilidade vertiginosa da instantaneidade da globalização.

A propósito da hifenização de “microorganismos” e micro-organismos, termos estratificados pelas temidas normas do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (AO90), que dividem os imortais escritores e cultores do Idioma de Camões, deixam os pobres mortais, amigos de Fernando Pessoa, a mercê das dúvidas e incongruências.

Verdadeira peste linguística, que somente grassa pelos meandros lusófonos e francos. As tradicionais pestes não se transmutam mais ao ritmo do andar de cavalo, mas sim à velocidade espacial, a gerar a multiplicação inimaginável das consequências de mortalidade.

Vive-se em redomas, a utilizar máscaras, ditas protetivas. Interessante que, no Antigo Egito, por volta do século VII a.C., o uso das máscaras tinha o condão de afastamento dos maus espíritos; enquanto que, no mundo heleno, eram elas depositadas sobre os rostos dos defuntos, quando do rito de passagem para o outro mundo.
Que mais virá nos dias do Amanhã?

Por José Carlos Gentilli - Escritor, membro da Academia de Ciências de Lisboa e presidente perpétuo da Academia de Letras de Brasília.