Maio, 2021 - Edição 267

Homenagem a Alfredo Bosi

A cultura brasileira perdeu um dos seus mais eruditos e ativos integrantes. O acadêmico Alfredo Bosi morreu no dia 7 de abril, aos 84 anos, vítima de Covid-19. Professor, historiador, escritor e ensaísta, crítico de literatura brasileira, Bosi teve uma trajetória acadêmica exemplar. A dedicação às áreas humanas ampliou-se com destaque não só no meio literário e cultural, como também em causas políticas, sociais, educacionais e ambientais.

Era o sétimo ocupante da Cadeira nº 12, eleito para a Academia Brasileira de Letras no dia 20 de março de 2003, na sucessão de Dom Lucas Moreira Neves. O presidente Marco Lucchesi lamentou a morte do colega, em tom emocionado: “A tanta dor, soma-se a morte do admirável acadêmico Alfredo Bosi. Sou tomado de profunda emoção. Nem encontro palavras. Escrevo com olhos marejados. Bosi: um homem de profunda erudição, humanista inconteste, um homem que estudou o Renascimento e que o representou. Realizou uma abordagem nova da cultura do Brasil. Dialética da colonização é um clássico desde o nascedouro. Sem Ecléa, sua querida companheira, o mundo ficou mais áspero, ele, o suave, o profundo e delicado espírito. Sabia Dante e Machado, com a mesma intimidade, Gadda e Guimarães Rosa. Em tanta dor, essa que nos fere. Jamais relegou a segundo plano os direitos civis e as liberdades. Amado amigo, fraterno, radical”, declarou.

Como intelectual engajado, Alfredo Bosi apoiou as lutas pela redemocratização e redução das desigualdades sociais do país, atuação iniciada com um grupo de operários da cidade de Osasco nos anos 1970. A militância pelos direitos humanos fez com que integrasse a Comissão de Defesa dos Direitos Humanos Dom Paulo Evaristo Arns e a Comissão Justiça e Paz de São Paulo, criada pelo cardeal Arns.

Algumas das outras questões a que se dedicou foram a valorização do ensino básico e seus professores, o reconhecimento da importância das tradições culturais populares, a defesa dos princípios éticos e da liberdade de pensamento e pesquisa na universidade, a conservação dos ecossistemas do país e a resistência às usinas nucleares.

Trajetória

Nascido no dia 26 de agosto de 1936, no seio da colônia italiana da capital paulistana, ingressou, em 1955, no curso de Letras Neolatinas da então Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, na Universidade de São Paulo (USP).

Em 1958, especializou-se em Literatura brasileira, Filologia românica e Literatura italiana, que passou a lecionar no ano seguinte. Em 1960, foi contemplado com uma bolsa de estudos na Universidade de Florença, na Itália, onde estudou Estética e Filosofia da Renascença. De 1963 a 1970, retomou o ensino de literatura italiana na USP, período em que defendeu o Doutorado (1965; sobre a narrativa de Luigi Pirandello) e a livre-Docência (1970; sobre a poesia de Leopardi). Em 1970, Bosi passou a lecionar Literatura brasileira, tornando-se professor titular da disciplina, em 1972. Em 1966, publicou o livro PréModernismo e, em 1970, aos 34 anos, lançou uma de suas principais obras, o clássico História Concisa da Literatura Brasileira, um clássico já em sua 50ª edição.

Em paralelo à sua atuação no Departamento de Literatura Comparada da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH), Bosi participou do Instituto de Estudos Avançados (IEA) desde seu início, indicado por Antonio Candido para integrar a primeira formação do Conselho Deliberativo, em 1987. Em 1989, foi escolhido como o editor da revista Estudos Avançados, tarefa que desempenhou com especial dedicação, durante 30 anos.

Alinhado à esquerda, foi um dos responsáveis por introduzir o pensamento do filósofo marxista italiano Antonio Gramsci no Brasil. Organizou o documento coletivo A Presença da Universidade Pública e presidiu a comissão elaboradora do Código de Ética da USP. Foi o primeiro presidente da Comissão de Ética da Universidade. O esforço do intelectual de conciliar sua fé católica ao marxismo moveu sua produção acadêmica e resultou numa de suas obras mais importantes: Dialética da Colonização, de 1992, que recebeu o Prêmio Jabuti, em 1993. Além dos já citados, é autor, entre outros livros, de O Ser e o Tempo da Poesia (1977), Machado de Assis: o enigma do olhar (1999; Prêmio Jabuti de 2000) e Ideologia e Contraideologia (2010). Sua última publicação foi em 2017, Arte e Conhecimento em Leonardo da Vinci.

Entre as honrarias que recebeu, estão os títulos de professor emérito da FFLCH-USP (2009) e professor honorário do IEA (2006), a Ordem do Mérito Cultural, concedida pelo Ministério da Cultura (2005), o título de Comendador da Ordem de Rio Branco, outorgado pela Presidência da República (1996), e a distinção “Homem de Ideias de 1992”, conferida pelo Jornal do Brasil. Em 2018, o IEA inaugurou a sala de eventos Alfredo Bosi, um reconhecimento pelos 30 anos de dedicação ao Instituto.

No exterior

Além do período de estudos na Universidade de Florença, no início dos anos 1960, fez pesquisas nos Estados Unidos (1986), com o apoio da John Simon Guggenhein Memorial Foundation. Na França, foi pesquisador do Institut dês Textes et dês Manuscrits Modernes (1990), ocupou a Cátedra Brasileira de Ciências Sociais Sérgio Buarque de Holanda da Maison dês Sciences de l’Homme (2003) e foi professor convidado da École dês Hautes Études em Sciences Sociales (1993, 1996 e 1999). Também ministrou cursos e proferiu conferências na França, Itália, Estados Unidos (Yale University), Cuba (Casa de las Américas), Espanha (Universidad de Salamanca) e Uruguai (Universidad de la República).

Família

Bosi foi casado com a psicóloga social e escritora Ecléa Bosi (1936- 2017), professora titular e emérita do Instituto de Psicologia da USP, com quem teve os filhos Viviana e José Alfredo. Além dos filhos, ele deixa os netos Tiago e Daniel.

Por Manoela Ferrari.