Maio, 2021 - Edição 267
Histórias da Academia na correspondência de Machado
Talvez a praticidade do e-mail, o seu papel de indiscutível facilitador da comunicação, lhe retire o caráter de solenidade de que se revestia
o envelope chegado pelas mãos do carteiro. A impressão que dá é a de
que não se fazem mais confidências profundas, não se juram afetos,
como os que ficaram registrados em papel de carta. Nessa perspectiva é
que o estudo da correspondência de certas personagens nos revela fatos
e sentimentos de outra maneira não resgatáveis da discrição a que lhes
relegaria o escoar do tempo.
Repositório dos mais relevantes é o conjunto da correspondência
de Machado de Assis. Na “última forma” da iniciativa de sua publicação,
constando agora da totalidade do que se pôde localizar, o material foi
reunido, organizado e comentado por Irene Moutinho e Sílvia Eleutério,
sob coordenação e orientação de Sérgio Paulo Rouanet, em quatro
alentados volumes que já se vão pela segunda edição (2019). Assim arremata-se com sucesso trabalho que vem de 1932, quando teve início a
publicação das cartas de Machado, a interlocutores selecionados (caso
de Joaquim Nabuco e Salvador de Mendonça), o que, na época, deveu-
-se a esforços de pesquisa de Fernando Nery, secretário da Academia
Brasileira de Letras.
Interessante é que Machado, ao conceder permissão para divulgação da correspondência pessoal após seu falecimento, duvidou da
utilidade da providência. Palavras suas, em carta de abril de 1908 a José
Veríssimo: “não me parece que de tantas cartas que escrevi a amigos e
estranhos se possa apurar nada de interessante.” Tirada de amarga ironia, como era típico do mestre. A verdade é que o estudo das cartas revela a biógrafos e a interessados muito mais do que supunha Machado,
naqueles meses tristes que lhe antecederam a morte.
Tome-se como objeto de pesquisa, por exemplo, as diligências
para instalação da Academia Brasileira de Letras, por certo um dos motivos do interesse da Casa na reunião do material (não fosse Machado o
literato que foi). O tomo III da publicação, referente aos anos de 1890
– 1900, revela um Machado de Assis empenhado na organização inicial
do grêmio, elogiando a iniciativa de Lúcio de Mendonça, expedindo
convites a literatos para ocupar cadeiras, enumerando as providências
para a sessão inaugural, o incidente com Graça Aranha (que inicialmente recusou o convite e que, admoestado pelo presidente, responde,
desculpando-se e aceitando). A inauguração, pela mesma época, da
estátua de José de Alencar, pai de Mário, correspondente e amigo dileto
de Machado. E ainda tomamos conhecimento de curioso incidente: em
bilhete datado de 19 de julho de 1897, Olavo Bilac, declamador emérito,
desculpa-se com o “caro mestre e ilustre presidente da Academia de
Letras” por ser-lhe “absolutamente impossível” “dizer versos” na sessão
de instalação, “como havia prometido”. Estando Bilac presente à sessão
inaugural, o que terá sucedido ao poeta para deixar de falar em ocasião
tão solene? Um problema na voz, hipótese levantada por Magalhães Jr.
no seu Vida e obra de Machado de Assis (v. 4)?
Sendo a Academia Brasileira de Letras pródiga em fatos de interesse, um tal incidente quem sabe não se preste a tema para outros
Farda, Fardão, Camisola de Dormir, de Jorge Amado, ou Assassinatos na
Academia Brasileira de Letras, de Jô Soares? É esperar para ver