Maio, 2021 - Edição 267

Há 700 anos...

Dante Alighieri, conhecido mundialmente e considerado o maior escritor italiano, faleceu em Ravena, em 14 de setembro de 1321, logo, há 700 anos, acometido por febre malária. Nasceu em Florença (Itália) em maio de 1265, século XIII, vivendo, portanto, entre a Idade Média e a Idade Moderna.

Dante Alighieri deixou-nos uma obra enciclopédica, contendo todo o saber medieval, escrita em latim ou em italiano, que ele chamava “língua vulgar”, isto é, língua da fala do povo. Sua obra consta com uma extensa fortuna crítica, por seus tratados de: teologia, filosofia, astronomia, matemática, ciências físicas e naturais, política, história e geografia, arte, e ciências ocultas.

Sua breve vida (56 anos) ficou marcada por vários acontecimentos notáveis: amor platônico, casamento, filhos, participação em batalhas, luta pela democracia florentina, prisão, exílio, mudanças de cidades (Verona, Bologna, Paris e Ravena).

Como homem político, estudou a monarquia em um tratado em latim. Essa obra apresenta a ideia de um Império Universal, no qual a Itália seria a guardiã. Devido a suas ideias políticas, teve que se exilar para não ser queimado vivo em Florença.

O mundo espiritual de Dante, que impregnará a sua literatura, principalmente nas visões do outro mundo, como aparece na Divina Commedia,1 em suas subdivisões: Inferno, Purgatório e Paraíso, contém o misticismo dos pensadores cristãos: S. Bernardo, S. Francisco, S. Boaventura, São Tomás e do Fra Jacopone.

A Divina Commedia, composta por cem cantos, está subdividida em três partes: Inferno, introdução geral da obra onde se encontra o ponto de vista político de Dante na aplicação dos castigos, com justiça. Purgatório, espaço reservado para aqueles que, durante a sua vida, se arrependeram de seus pecados e os expiam antes de entrar na Esfera Divina. Paraíso, alegoria da visão do amor de Deus à humanidade. Na Divina Commedia, poema narrativo, em “terza rima”,2 ou três versos interligados, como a organização dos versos acima citados (ABA), o poeta mostra o estado do homem depois da morte, quando é levado à Justiça de Deus e recebe o castigo mais pesado, o do Inferno, ou o mais leve, o do Purgatório ou o prêmio da visão de Deus, o Paraíso.

Numa alegoria da caminhada de uma alma para chegar ao Céu, o poeta apresenta a existência de uma desordem, um pessimismo, “um vale de lágrimas”, a hegemonia do mal sobre o bem, um domínio do ódio. Mas, na meta final, onde há hierarquia, a alma virtuosa ficará localizada de acordo com a sua capacidade humana que teve de amar a Deus, situando-se nos espaços das virtudes cardeais fundamentais da conduta humana (Sabedoria, Fortaleza, Temperança, Coragem), ou nos lugares que direcionam para esfera do Paraíso, a presença de Deus, onde se encontram as virtudes teológicas (Fé, Esperança e Caridade).

Poderíamos dizer que a obra é didática, pois há um ensinamento religioso de um caminhar ascético entre o castigo, purificação e salvação; ou que é autoficção, no sentido de que a obra leva a alma do poeta Dante, o eu – personagem, à redenção, depois de uma vida de insubordinação, de retrocesso, como no início da obra quando o poeta se encontra em uma “selva tenebrosa” e procura sair dela. Mas no espinhoso caminho da perfeição, a alma tem companhia.

Virgílio, o poeta romano, aparece e o convida para visitar os reinos eternos. Com a proteção desse guia Dante, depois de passar pelo Inferno e pelo Purgatório, chegará à entrada do Paraíso e, pelas mãos de Beatrice, nele entrará, para a visão de Deus. Beatrice, personagem na obra que impulsiona a criatura para o caminho da perfeição, para uma aproximação com Deus, é a mulher ideal, a beleza suprema.

A Divina Commedia apresenta, guiada pela Razão, uma redenção universal: a da humanidade e a do Império. A felicidade natural, que está no “Paraíso Terrestre”, encontra-se no reino da justiça e da paz. Segundo nota 1 da publicação da Dina Comédia, traduzida por Xavier Pinheiro, Dante iniciou a escrita dessa obra em Roma, na noite de 4 a 5 de março de 1300, na véspera da Sexta-Feira Santa. Mas foi para o exílio em 1302 e, segundo Boccaccio, no exílio, ele escreveu o Purgatório, entre 1310-1313, com aproximadamente 45 anos, e, depois de sua morte, 13 cantos do Paraíso foram escritos, porque, segundo esse poeta, Dante havia deixado de compor e seu filho Jocapo terminou a obra. Mas existem discordâncias desse julgamento, porque, devido ao temperamento apaixonado do poeta, é impossível que não tenha terminado a obra. O título Commedia deriva, segundo algumas opiniões, da sequência da comédia; princípio triste e final feliz. Giovanni Boccaccio, na publicação dessa obra em Veneza, em 1555, acrescentou ao título a palavra qualificativa “Divina”.

1 Será indicada com o nome original: Commedia 2 Dante utilizou na Divina Commedia a rima encadeada, “terza rima”, unidade simétrica de três versos, encadeados ABA, BCB, CBC, e assim por diante. Essa rima aparece pela primeira vez nessa obra

Por Ester Abreu Vieira de Oliveira - Presidente da Academia Espírito-santense de Letras.