Maio, 2021 - Edição 267

Cacos de vida

Mais uma vez ela me deixa sem chão.
Mais uma vez enfrento a frase que, não poucas vezes, registrei:
“Você desmoralizou.”
“Você” sou eu. Um capacho das emoções precárias, um rastejador de afetos, um implorador de atenções.
Quando termino e, às vezes, sou eu quem termina, visto a roupa de valente e comunico aos que me conhecem que o fim é, enfim, definitivo. E, então, a bloqueio de mim. E respiro os alívios. E, então, começo a buscar justificativas, que ouso chamar de racionais, para tentar novamente. Não com essa rapidez. Faço a autopromessa de que seremos apenas amigos e que é injustificável, depois de ditos de amor, ficarmos distantes. Desenvolvo teses internas de que há vários tipos de amor. E, então, me ponho a insistir com quem já deu avisos de que prefere não estar.

Ela se veste de soberba e diz “não”. Eu prossigo em minha insana subserviência. Aceito qualquer exigência, imploro o perdão por uma falta que inventei, choro sem cerimônias. E, então, cacos de vida vão aborrecendo o chão de onde deveria brotar futuros. Há vida sem ela. Já expliquei a mim mesmo, e já não compreendi. Uso silêncios quando estamos juntos. E, quando nos separamos, falo aos outros o que não falo a mim mesmo.

Nas fases da valentia, logo após alguma separação, dela digo sem pestanejar. O quanto não me completa, o quanto é arrogante, o quanto é insensível. Falo de suas variações de humor, falo de seu pouco apreço ao amor. E concordam comigo os que me ouvem. Imploro, então, que me apresentem alguém. Tudo, menos a cama vazia. Tudo, menos o voltar para casa e encontrar o som de mim mesmo. Sei, por estudos, que sou caminhante errático em matéria de amor. Leio nos livros e nas conversas, quando estou atento, que o que faço comigo é um desperdiçar de emoções maduras. Já disse a mim mesmo que só quero quem não me quer. Que não valorizo, por alguma razão que desconheço, quem se faz a mim conhecer.

Rezo por uma história que suavize os meus dias. Talvez me faltem ouvidos para ouvir o que peço nas rezas. Não sei. Só sei que ela está de volta. E, então, eu digo para mim mesmo que a vida é curta. E que as variações de temperamento dão a temperatura correta de uma relação. Se não, seria o tédio. É o que eu digo para desdizer o que disse antes. O que seríamos sem as contradições?

Ela está linda, como linda sempre esteve dentro de mim. Diz que aceita. Faz suas exigências. Eu aceito. Entro na solidão da casa em que agora ela está e sinto falta de mim mesmo. O que possa fazer se não consigo?

Talvez o tempo, amigo displicente – pelo menos é o que penso, se não, teria ele cicatrizado as feridas que tanto me ferem –, um dia resolva vir em meu auxílio. E aí nos auxiliaremos juntos e respiraremos uma manhã sem medo, uma manhã vazia de machucaduras, uma manhã primaveril.

Enquanto isso não chega, compreendam, por favor, os meus invernos.

Por Gabriel Chalita - Membro da Academia Paulista de Letras.