Abril, 2021 - Edição 266

Pandemias e o vírus da fome

O terráqueo que perambula pelos cinco continentes do planeta Terra e, inclusive pela submersa Atlântida, há mais de 300.000 anos, tem experimentado no decorrer de sua existência a ocorrência de pestilências das mais variadas espécies, a dizimar os humanoides de forma avassaladora, a extinguir povos.
O que sobrevive com o perpassar dos séculos e milênios são os registros de historiadores, sobreviventes destes holocaustos, que dão forma e quantificação das mortandades, e ensejam que os pósteros, ciclicamente, relembrem os morticínios e suas características, ao feitio das narrativas de Heródoto – Pai da História –, de Tucídides (429 a.C.), quando descrevia a Praga de Atenas (quiçá febre tifoide), que eliminou cerca de 35% da população do Peloponeso.
A chamada Peste Antonina (dita varíola) mandou para o Mundo de Hades, aproximadamente, cinco milhões de soldados do Império Romano, correspondente a 10% da população romana, conforme o dizer do médico grego Galeno, em 165 d.C.
Durante o medievo, a Peste Negra, cognominada de peste bubônica (bactéria Yersínia Pestis) assolou os continentes, causou o extermínio de aproximadamente 75 milhões de europeus e 200 milhões de eurasianos, e eliminou ¾ da população mundial. A Gripe Espanhola, uma mutação do vírus influenza, que teria surgido nos Estados Unidos em 1918, durante a Primeira Guerra Mundial, foi denunciada pela Espanha, apavorou as tropas em litígio, e matou cerca de 50 milhões de viventes.

A Aids (Human Immunodefiency Vírus), considerada uma epidemia, já é responsável pela morte de 30 milhões de pessoas, cifra sempre crescentes a constatar o colapso imunológico. Da Idade Moderna, a partir de 1453 – Queda de Constantinopla –, passamos, agora, a vivenciar o mundo da globalização, com o advento da inteligência artificial, ocupando as sociedades patamares da instantaneidade de uma gnose transcendental, racional e transmutativa de limites extraterrestres, experimentando o primitivo homo erectus a visitar espaços lunares e dimensionar o universo marciano, a feitio de uma divindade estelar.
A Igreja, com suas crendices monásticas em processos evangelizadores e em procedimentos inquisitoriais, enquadrava a peste assim:

“No princípio, e durante séculos, os homens acreditavam que a peste era uma manifestação da cólera divina, um castigo por grave ofensa” (in Pecado, Castigo e Redenção: a Peste como Elemento do Proselitismo Cristão. Portugal, Séculos XIV/XVI. Mário Jorge da Motta Bastos).

Por sua vez, Santo Agostinho, Homem de Hipona, dizia que “a curiosidade era uma doença. Os que procuravam explicações para o Universo e a vida além dos dogmas da Igreja ou da ciência tradicional eram portadores do vírus da discórdia, a serem espantados como se espanta qualquer praga, com barulho e fogo”.
Imagine-se se isto fosse dito hoje, ao esboroar-se o limbo por um mero ato do Papa Bento XVI, Emérito em sua senectude. Vivemos tempos de racionalidade e cientificidade cerebral. Os avanços das ciências proporcionaram a descoberta de antídotos virais e suas mutações, descobriram as diferenças entre pragas e pestes, a relembrar as Dez Pragas do Egito, que gerou mitos e fantasias, verdadeiras maldições da Antiguidade, quando, na verdade, foram ocasionadas pelo desequilíbrio ambiental ocorrido.
O Velho Testamento sedimentou estórias, teleologicamente amoldadas às conveniências religiosas, como de igual forma o Torá, o Código de Hamurabi e tantos outros registros históricos da gênese humana no decorrer dos períodos civilizacionais.


A ignorância humana justificava a ocorrência das epidemias como algo mítico, religioso, e transferia para o plano espiritual as suas causas, origens e responsabilidades, a observar a inefável e atávica Lei do Menor Esforço, que rege o Homem desde as suas origens.
Conta-nos o historiador siciliano Diodoro Sículo que os atenienses, quando o infortúnio da peste se abateu, procuraram o Oráculo de Delfos, considerado o “umbigo do mundo”, e receberam da sacerdotisa a orientação de Apolo, a fim de que os corpos devessem ser exumados e transferidos para a ilha de Reneia.

O universo da Biologia – estudo da vida, do grego bio+logia –, em grego bíos e zoé, a primeira a descrever a vida integral e, a segunda, a vida que nos atravessa a todos os seres humanos, mostra-nos, pela via das ciências que integram a Biologia, o suceder das etapas do Homem na Terra e agora no espaço galáctico. Não devemos esquecer, todavia, as hordas famélicas que movimentam, milenarmente, povos em processos de migração na busca de alimentos e melhores condições para as suas sobrevivências. É o vírus da fome! Ele mata cerca de 8.500 crianças por dia! Hodiernamente, a fome mundial mostra a existência de quase 900 milhões de pessoas que passam fome no mundo, segundo o Relatório Estado da Insegurança Alimentar Nutricional, da ONU (2019), fator incidente na diminuição da capacidade imunológica da sociedade, população do orbe que se agiganta próximo a 8.000.000.000 (oito bilhões de criaturas). Fazer o quê?

Por José Carlos Gentili da Academia das Ciências de Lisboa, presidente Perpétuo da Academia de Letras de Brasília e autor do livro O Futuro da Europa Passará Também pelo Brasil?