Abril, 2021 - Edição 266

Lembranças

Em Pernambuco Cultural, Jornal de Letras, 1987, Audálio Alves, jornalista, poeta, escreveu: “Nos últimos anos, começo da década de setenta, a presença da mulher nas letras e nas artes no Recife, cada vez maior pelo nível de produção literária ou artística na cultura pernambucana, cito Maria do Carmo Barreto Campello de Melo, Celina Cavalcanti, Débora Brennand, Maria de Lourdes Hortas, Luzilá Gonçalves, Janice Japiassu, Lourdes Sarmento, Guita Charifker, Leny Amorim, musicista e escritora.” Continua Audálio, “o mesmo poderemos dizer em nível escritural e artístico que apresentam em número bem menor, que se revelam em Ladjane Bandeira, Tereza Costa Rego e Marly Mota seriam suficientes para dizermos a verdade, cada uma vale por cem, tal a altura em que suas artes se colocam hoje, não apenas no espaço pernambucano, mas não há dúvida diante do que se faz no país”. Em épocas passadas, eu e Ladjane fomos colegas do curso ginasial no Colégio das Damas Santa Cristina, em Nazaré da Mata. Era rigorosamente proibido as alunas internas falarem com as externas, daí o nosso distanciamento. Não conhecia a linguagem plástica de Ladjane, como as composições que se ajustam ao trabalho do pintor Elezier Xavier (1907-1998), nascido em Triunfo, Sertão de Pernambuco. Produziu belas pinturas entre torres de igrejas, sobrados longilíneos com o poder de eternizá-los.

Às vezes, me vejo percorrendo o itinerário lírico da cidade que me embalou. Com Heloisa, minha prima, seguimos esses mesmos caminhos da cultura popular, lirismo, festas religiosas dentro e fora da Igreja, brincadeiras da meninice com cantigas de roda, boca de forno, bumba meu boi, pastoril e nossa caminhada à casa de Sá Nana para comer bolinhos de goma e sequilhos, os mesmos de Portugal, já referidos no século XVIII pelo poeta Correia Garçon.

O meu amigo Gilberto Freyre, também pintor, chamava-me “colega”. Escreveu três apresentações nos catálogos das minhas exposições noticiadas nas páginas literárias do Diario de Pernambuco e jornais de Lisboa. Fernando de Mello Freyre, presidente da Fundação Gilberto Freyre, e Josias Silva de Albuquerque, presidente do Conselho Regional do Senac em Pernambuco, receberam na sede do Senac para a celebração dos 100 anos de Gilberto, com coquetel de lançamento do livro À Mesa com Gilberto Freyre, em 13 de outubro de 2004. Nesta edição organizada pelo sociólogo Raul Lody, consta texto de minha autoria, que deu nome ao livro. Maria Lectícia Monteiro Cavalcanti, mestra da culinária freyriana, com receitas familiares e sofisticadas, lançou o seu livro, Aventuras do Paladar.

À mesma época, realizei a exposição Cenas Ecianas, unindo as 12 telas que circularam no Recife e várias cidades de Portugal, com curadoria do escritor Manuel Lopes, diretor da Biblioteca Rocha Peixoto da Póvoa do Várzim. O conjunto das Cenas Ecianas, salvo e enobrecido, integra o acervo do Museu Geográfico e Histórico dessa cidade, terra do nascimento de Eça de Queiroz. O escritor Manuel Lopes dizia que a sua a mãe era pernambucana e que nunca dormira numa rede. Enviei-lhe uma de presente. Escreveu-me depois com alegria! “Chegou a rede nordestina com suas esvoaçantes fraldas de renda, cruzando o Atlântico como um tapete tão mágico como voador. Já a armei no meu sobrado.”

No contexto das tradições religiosas e populares, Lula Cardoso Ayres foi um grande pintor e ilustrador. Em 1965, ilustrou o meu livro Pátio da Matriz, lançado na minha primeira exposição de pintura, realizada no Hotel São Domingos. Como ilustrador e documentarista, participou de três Bienais de São Paulo. No Diário da Noite, em 1966, o colunista escritor Guerra de Holanda afirma: “Quem estreia, portanto em livro, com parceria de Lula Cardoso Ayres, já nasceu vitorioso.” O casal Lula e Lourdes foi para nós, Mauro Mota e eu, amigos de uma estreita convivência e seus quadros dão um brilho maior à minha sala.

Com experiências acumuladas de advogado e escritor, recebo do amigo José Nivaldo Júnior sua excelente crônica: O último Herdeiro do Coronelismo. Nas crônicas semanais do Diario de Pernambuco, Raimundo Carrero escreve: “Sou personagem de Joseph Conrad.” Uma bela crônica, iluminou o meu espírito! Nomes da cena cultural pernambucana, chega-me à memória, o pintor Adão Pinheiro, um olindense nato, morou por uns tempos na nossa casa de Olinda. Ao devolver as chaves com mercê, deixou um belo quadro. A múltipla escritora e amiga Patrícia Gonçalves Tenório, da União Brasileira de Escritores do Rio de Janeiro com o prêmio Poesia Marly Mota 2013, recebido na Academia Pernambucana de Letras, com minha modesta participação. Ao amigo poeta Paulo Gustavo Oliveira, sobrinho de um grande poeta do Recife, Austro Costa, integrante do movimento modernista em Pernambuco no ano de 1924.
Aos pequenos e grandes nomes da nossa literatura: escritores, poetas; das artes plásticas e cênicas, com suas essencialidades, voltem a iluminar as páginas, telas e palcos pernambucanos.

Por Marly Mota é membro da Academia Pernambucana de Letras.