Março, 2021 - Edição 265
Saudades de Antonio Olinto

Chega o dia de enviar a coluna para o jornal e o blog e as ideias não
fluem. Este tempo que vivemos nos deixa assim. Antes alegávamos falta de
tempo... Era (é?) uma correria. Hoje, muitos estamos com trabalho em casa
(prefiro o português ao inglês). Os dias parecem demorar, mas, têm a mesma
velocidade. Nós é que não estamos na mesma intensidade. Faz quase um ano
que assim estamos, mas, parece mais tempo. A parada foi necessária. Nunca
critiquei, nem criticarei, nenhuma medida nesse sentido. Lembrando o poeta
Gonzaguinha, “este tempo vai passar”.
No quarto que improvisei como local de trabalho na casa dos meus pais,
antes mesmo de ser o espaço destinado a isso, eu já colocava livros, revistas,
enfim. E, hoje pela manhã, deparei-me com o livro O Menino e o Trem, de
Antonio Olinto, da Academia Brasileira de Letras, diplomata, amigo querido.
Esses dias ouvi uma entrevista dele para o também imortal Arnaldo Niskier.
Aliás, guardo uma entrevista que ele concedeu ao irmão Ticar, Diassis Lira
para o público em geral, quando Olinto esteve em Guaraciaba do Norte (2007).
Entrevista concedida num quarto da casa do Monte Alegre. Vínhamos de Sobral
onde o imortal foi na Universidade Estadual Vale do Acaraú, experimentou da
carne de sol do Aragão e foi à Biblioteca Municipal Lustosa da Costa. Para acomodar dignamente a ele, sua assessora Beth Almeida, Bárbara e Henrique Ayres
(filha e neto de Mello Mourão), os hospedamos no extinto Hotel Sol Nascente e
o jantar foi no sítio Monte Alegre. Comida tradicional, forró pé-de-serra (Olinto
até ensaiou uns passos) e café, com pó feito de grãos torrados em caco de barro.
Foi um dia espetacular.
Depois que conheci Antonio Olinto, registrado Olyntho, mas, que ele
simplificou, o inverso do
que normalmente ocorre
hoje, ele fez três visitas ao
Ceará. N’uma veio para
a Bienal do Livro (2006)
quando estava com a
querida Nélida Piñon;
n’outra para o lançamento de meu livro sobre
Gerardo Mello Moura,
A Saga de Gerardo: um
Mello Mourão, ocorrido
em 26 de abril de 2007
e, finalmente, em outubro de 2008, mais especificamente dos dias 26
a 29, para lançar sua biografia, escrita por mim:
Brasileiro com Alma Africana: Antonio Olinto.
Na última visita, Matusahila e eu o recebemos em nossa
casa, em Fortaleza, juntamente com Beth Almeida, sua assessora e quase filha.
Olinto era uma figura amável e amada pelos que o cercavam. Foi seminarista e herdou para toda a vida a religiosidade. Criança, nas Minas Gerais, teve
contato com ex-escravos, agregados de família que tinham conhecimento da
cultura afro. Ao chegar a Lagos, na Nigéria (Continente Africano), como adido
cultural do Itamaraty, apaixonou-se pela alegria do africano, pelo profundo
respeito por seus antepassados e divindades. Foi a inspiração para sua trilogia
Alma da África. Na sua despedida, um representante tribal, ao homenageá-lo,
disse que o diplomata tinha a alma negra – na tradição deles, maior elogio que
se pode dar a um não africano. Hoje me volto à enésima releitura de O Menino
e o Trem e destaco o conto que intitula o livro e A Palavra, no qual ele dá vida à
palavra que “tinha consciência de sua integridade verbal”.
Lindo, simples, mas
sofisticado como era nosso imortal que nos acompanha da eternidade.