Março, 2021 - Edição 265

O pesadelo epidêmico

I
Da ponta da caneta
jorrava
um fragmento de sol.
Depois, gemeu
e estilhaçou-se:
era a Covid
comendo a luz.
E foi inchando-se de
cadáveres
o teu imundo ventre
de medusa carrasca
espraiando
a catástrofe epidêmica.

II
Tu te chamas Covid-19
no fichário global
dos óbitos,
e escandalizas
multidões
como grande
prostituta do universo,
(parida pelo orifício
da química chinesa)
Atroz e defunteira,
tu não passas,
ó vendaval
de mortes!

III
Vultos encarnados na
liturgia da aflição:
vítimas que choro
pelos olhos do poema.
Porque não podemos
detratar a esperança
entre os homens.
Se tarde não é,
cedo fica.
Vamos construir
andaimes
de metais perpétuos
para a esperança
CRESCER.
Azul
como o voo
das chuvas
nos olhos de uma garça.

IV
Vai-te embora,
saliva de monstro,
instalar a bactéria
de teu genocídio,
nos pulmões de pedra
de outro planeta.
As ambulâncias não dormem
e é diuturno, alarmante,
o cenário do desespero.

V
De desespero
em desespero,
vai longe
essa dor
à procura
de ar,
(viajando de
aviões ou de barcas,
à procura de ar,
de ar …)
Vai longe,
muito longe,
pelos estirões do sofrimento,
essa dor da humanidade, à deriva,
à procura de ar, de ar…
Os governantes são palhaços
de palanques / que não se entendem,
engalfinhando-se na disputa
por holofotes.
(Isso envergonha a índole da Verdade)
enquanto turbas de enfermos contaminados
se sucumbem, à míngua, por falta
de oxigênio nos hospitais.

VI
Meu Deus,
que fratura é esta
quebrando as pernas
da humanidade?
Que onda (de segunda onda)
é esta – expandindo a metáfora
das mortes por todos os
cantos pulsáveis do mundo?

VII
Após doloridas multidões
de enterros,
os meninos começaram a sonhar
com siringas de imunização
salvando a humanidade.
Mas os meninos, os meninos
(não eram visionários
da catástrofe epidêmica)
eram arautos da verdade:
a dose do milagre
já está no sangue.

Por Gabriel Nascente - (Tapera azul de Inhumas, no chuvoso amanhecer de 19 de janeiro de 2021)