Março, 2021 - Edição 265
Entrevista - Paulo Betti - Um homem de cultura
Entrevista transmitida em nível nacional, no Programa Identidade Brasil,
apresentado, por Arnaldo Niskier, no Canal Futura.
Arnaldo Niskier:
Recebemos a visita, via internet, do
grande ator, diretor, homem de cinema e de teatro, Paulo Betti. Você fez um filme, está pronto. Autobiografia Autorizada, é isso?
Paulo Betti: É uma mistura. O filme, na realidade, foi A Fera na Selva. A Autobiografia Autorizada
é uma peça de teatro, em que faço um mergulho
onírico, às vezes dramático, às vezes psicoterapêutico, na minha infância e adolescência.
Arnaldo Niskier: Isso foi em São Paulo. Você
teve essa infância no interior de São Paulo. Qual é
a cidade?
Paulo Betti: Nasci em Rafard, que é a cidade da Tarsila do Amaral, fiquei lá até os 3 anos de
idade. Depois minha família seguiu aquele ciclo da
roça para a cidade e fomos para Sorocaba. A peça
se passa em Sorocaba, numa espécie de quilombo
onde fui criado. Era um bairro negro, em Sorocaba,
que ficava numa baixada, e minha casa situava-se
no lugar mais baixo dessa baixada. Minha mãe era
empregada doméstica e meu pai vendia sorvete
na rua com carrinho de sorvete, também era ajudante de pedreiro. Meu pai teve sérios problemas
psiquiátricos, durante a vida, o que fez com que
não se estabelecesse numa profissão mais regular.
Ele fazia o que chamamos “biscates”. Lembro-me
muito do meu pai vendendo sorvete com carrinho
de picolé e como ajudante de pedreiro. Às vezes, ia
para as obras onde meu pai trabalhava e ajudava
um pouco a carregar tijolo. Meus avós paternos
e maternos vieram de Bérgamo e de Treviso. Os
paternos, de Treviso, os maternos, de Bérgamo.
Convivi mais com meus avós maternos. Eles vieram
juntos em 1887, tenho o passaporte deles. Mostro
isso na minha peça, que, de certa maneira, é uma
homenagem aos meus avós e aos meus pais. Não
tinha luz elétrica, praticamente, lá naquele quilombo. Quando falo quilombo, estou exagerando um
pouco...
Arnaldo Niskier: Era assemelhado a um quilombo.
Paulo Betti: Tinha uma maioria de 90% da
população negra. Dali saíam três escolas de samba.
Da Vila União, em Sorocaba, saíam três escolas de
samba.
Arnaldo Niskier: Qual é a mais famosa?
Paulo Betti: “28 de Setembro”, “III Centenário”,
“Clube dos Trinta” e uma que tinha ótimo nome:
“Unidos do Pecado”.
Arnaldo Niskier: Isso é bem Nelson
Rodrigues. De onde veio sua paixão pelos índios?
Paulo Betti: Estou fazendo lives como se
fosse uma participação em uma peça de teatro.
Agora mesmo, sinto que estou fazendo teatro, o
teatro que está nos restando, neste momento, fazer.
No teatro, estamos respirando, literalmente, por
aparelhos. Então, quando faço uma live e tenho o
prazer de estar conversando com alguém, como
você, me empolgo. Com relação aos índios, descobri isso numa live...
Dos 3 aos 20 anos, morei numa rua que tinha 500 metros de terra e chamava-se
Caramurus, a rua lateral era Guaicurus. As pessoas,
às vezes, não se dão conta da importância que tem
o nome de uma rua na nossa formação. A rua de trás
chamava-se Aquidabã, o que me deu certa fixação
também na “Guerra do Paraguai”. Aquidabã parece
que foi uma batalha que aconteceu no Paraguai. A
influência paraguaia também é forte para mim, por
causa da música caipira.
Arnaldo Niskier: Você aprecia música caipira?
Paulo Betti: Fui formado na música caipira
de raiz, que era a música caipira que o Antonio
Candido estudou e seria objeto do livro Os parceiros do Rio Bonito. Ele ia fazer um trabalho sobre
a música caipira chamada cururu. O cururu é um
repente e tinha a forma pouco sagrada, se fazia em
homenagem ao Divino Espírito Santo, por exemplo.
O livro Os parceiros do Rio Bonito (que é um clássico da sociologia) ia ser o estudo sobre o cururu.
Depois ele mudou e transformou num estudo sobre
sociologia, alimentação, a vida daqueles caipiras.
O caipira que falo é aquele da região de Sorocaba,
Botucatu, todo aquele interior do estado de São
Paulo. Eram pessoas nômades que tinham uma
forma de vida, que o professor Antonio Candido
mostra no livro Os parceiros do Rio Bonito, que era o
compadrio. A cultura caipira é o compadrio...
Arnaldo Niskier: Por isso todas essas duplas
estão fazendo enorme sucesso. Falei sobre a frustração da Academia Brasileira de Letras de não ter
podido contar com o Antonio Candido como um
dos seus imortais. O que você sabe disso? Como
foi a aproximação com o grande crítico literário
brasileiro Antonio Candido?
Paulo Betti: Trabalhei oito anos na Unicamp,
nós montamos lá a estrutura curricular do que
vem hoje ser a Escola de Teatro da Universidade de
Campinas. Fui professor sob o comando de departamento do professor Celso Nunes e sob a batuta de
Rogério César Cerqueira Leite.
Arnaldo Niskier: Grande cientista brasileiro
e grande escritor.
Paulo Betti: Exatamente. Ele é do Conselho
Editorial da Folha de São Paulo. Queríamos fazer
uma peça de teatro sobre a cultura caipira, porque
todos os professores tinham sido alunos da Escola
de Teatro da Universidade de São Paulo e nos identificávamos muito pelo fato de termos vindo do interior, não éramos da capital. Tinha gente de Taubaté,
Sorocaba, Piracicaba. Decidimos fazer uma peça
sobre a cultura caipira, isso nos levou a ler Os parceiros do Rio Bonito, do Antonio Candido. Como
éramos um grupo muito preocupado, as peças que
fazíamos tinham sempre mergulhos nas questões
sociais. Fizemos uma peça sobre os índios, mergulhamos, conhecemos Cláudio e Orlando Villas-Bôas.
Fomos atrás da cultura caipira, naquele momento,
para nos revelar que aquilo que tínhamos de mais
forte era nossa origem. Na época, estava muito em
moda o teatro. No Rio de Janeiro, tinha um grupo
chamado “Asdrúbal trouxe o trombone”. Asdrúbal
fazia uma peça chamada Trate-me Leão. Tínhamos
um grupo chamado “Pessoal do Victor” e achávamos que não tínhamos um reconhecimento tão
forte quanto Asdrúbal. Ele falava da carioquice, da
forma de ser carioca, tanto que você falou sobre isso
se referindo a Antonio Candido que é um carioca
que se acomodou ali e ficou em São Paulo...
Arnaldo Niskier: Ele se mudou de armas
e bagagens para São Paulo e acho que passou
a raciocinar como paulista, mais do que como
carioca. Um homem admirável. Nós, na Academia,
sempre procuramos cantar o Antonio Candido
para que viesse fazer parte da Casa de Machado
de Assis.
Paulo Betti: Outro dia, estava lendo um livro
dele, em que colocou uma questão muito interessante. Disse que a literatura brasileira é um pequeno ramo da literatura portuguesa que, por si, é um
pequeno arbusto. Nós que temos uma literatura que
considero maravilhosa, mas dentro da perspectiva
do professor Antonio Candido, da abertura para
outras coisas, para a grega, inglesa, americana, francesa, o que representamos...
Arnaldo Niskier: Você escreveu uma peça,
botou debaixo do braço e saiu mostrando por aí.
O que foi isso?
Paulo Betti: Fiz essa peça, Autobiografia
Autorizada, que é esse mergulho na minha infância
e adolescência com os olhos do menino. O espaço
da peça é preenchido pelo meu pai, minha mãe,
minha avó, meu avô e meus irmãos. Minha mãe
teve 15 filhos, fui o 15º, temporão. Tem uma situação
muito interessante na minha infância, porque meu
avô, esse emigrante italiano, trabalhava a meia para
um fazendeiro negro. O dono das terras onde meu
avô trabalhava era negro. Então, isso me deu uma
visão muito interessante. Ia para a roça do meu avô
e ficava na senzala, que foi o lugar destinado para
os italianos. Os italianos vieram nessa emigração...
O Brasil oficialmente queria embranquecer. Houve
um estímulo para que viessem emigrantes da Itália,
no sentido de embranquecimento oficial do Brasil.
Isso foi uma política de estado e os italianos ocuparam os lugares onde os negros ficavam nas senzalas.
Daí olhávamos e, na Casa Grande, estava o senhor,
o proprietário, que era um homem negro. Era muito
interessante. Ele saía com o carro e a menina do
lado dele, que era a filha, tinha a mesma idade
que eu. Minha mãe dizia: “O Paulo vai casar com
a Nazaré.” Então, tive essa visão, na infância, do
homem negro numa posição de superioridade. Essa
convivência foi muito marcante e achei que valia a
pena fazer essa autobiografia. Estou há cinco anos
na estrada com essa peça. Fiz 15 cidades portuguesas agora, neste ano. Em Portugal, foi interrompida a temporada por causa da pandemia e, neste
momento, estou fazendo a peça on-line. Faço do
Teatro PetraGold ou da minha casa.
Arnaldo Niskier: Você teve alguma ajuda
oficial?
Paulo Betti: Não, para isso não. Uma das
sessões que vou fazer da minha casa sim, vou fazer
pelo SESC, uma unidade do SESC de São Paulo...
Arnaldo Niskier: O SESC faz coisas muito
bonitas. Danilo Santos de Miranda é grande profissional, sob a direção do Abram Szajman. São
pessoas que fazem trabalhos admiráveis, no meio
dessa coisa que criticamos que é a omissão do
governo federal em relação ao processo cultural
brasileiro.
Paulo Betti: Queria complementar dizendo
que sou fruto do trabalho social do Salesiano, do
trabalho do SESC e do SESI, desses centros de cultura, educação profissional. Se não tivesse isso, eu
não existiria, também falo da escola pública de bom
nível. Frequentei uma escola, um ginásio industrial,
onde entrava às 7h da manhã e saía às 17h. Não, para isso não. Uma das
sessões que vou fazer da minha casa sim, vou fazer
pelo SESC, uma unidade do SESC de São Paulo...
Arnaldo Niskier: O SESC faz coisas muito
bonitas. Danilo Santos de Miranda é grande profissional, sob a direção do Abram Szajman. São
pessoas que fazem trabalhos admiráveis, no meio
dessa coisa que criticamos que é a omissão do
governo federal em relação ao processo cultural
brasileiro.
Paulo Betti: Queria complementar dizendo
que sou fruto do trabalho social do Salesiano, do
trabalho do SESC e do SESI, desses centros de cultura, educação profissional. Se não tivesse isso, eu
não existiria, também falo da escola pública de bom
nível. Frequentei uma escola, um ginásio industrial,
onde entrava às 7h da manhã e saía às 17h. Fiz essa peça, Autobiografia
Autorizada, que é esse mergulho na minha infância
e adolescência com os olhos do menino. O espaço
da peça é preenchido pelo meu pai, minha mãe,
minha avó, meu avô e meus irmãos. Minha mãe
teve 15 filhos, fui o 15º, temporão. Tem uma situação
muito interessante na minha infância, porque meu
avô, esse emigrante italiano, trabalhava a meia para
um fazendeiro negro. O dono das terras onde meu
avô trabalhava era negro. Então, isso me deu uma
visão muito interessante. Ia para a roça do meu avô
e ficava na senzala, que foi o lugar destinado para
os italianos. Os italianos vieram nessa emigração...
O Brasil oficialmente queria embranquecer. Houve
um estímulo para que viessem emigrantes da Itália,
no sentido de embranquecimento oficial do Brasil.
Isso foi uma política de estado e os italianos ocuparam os lugares onde os negros ficavam nas senzalas.
Daí olhávamos e, na Casa Grande, estava o senhor,
o proprietário, que era um homem negro. Era muito
interessante. Ele saía com o carro e a menina do
lado dele, que era a filha, tinha a mesma idade
que eu. Minha mãe dizia: “O Paulo vai casar com
a Nazaré.” Então, tive essa visão, na infância, do
homem negro numa posição de superioridade. Essa
convivência foi muito marcante e achei que valia a
pena fazer essa autobiografia. Estou há cinco anos
na estrada com essa peça. Fiz 15 cidades portuguesas agora, neste ano. Em Portugal, foi interrompida a temporada por causa da pandemia e, neste
momento, estou fazendo a peça on-line. Faço do
Teatro PetraGold ou da minha casa.
Arnaldo Niskier: Você teve alguma ajuda
oficial?
Paulo Betti: Não, para isso não. Uma das
sessões que vou fazer da minha casa sim, vou fazer
pelo SESC, uma unidade do SESC de São Paulo...
Arnaldo Niskier: O SESC faz coisas muito
bonitas. Danilo Santos de Miranda é grande profissional, sob a direção do Abram Szajman. São
pessoas que fazem trabalhos admiráveis, no meio
dessa coisa que criticamos que é a omissão do
governo federal em relação ao processo cultural
brasileiro.
Paulo Betti: Queria complementar dizendo
que sou fruto do trabalho social do Salesiano, do
trabalho do SESC e do SESI, desses centros de cultura, educação profissional. Se não tivesse isso, eu
não existiria, também falo da escola pública de bom
nível. Frequentei uma escola, um ginásio industrial,
onde entrava às 7h da manhã e saía às 17h.