Março, 2021 - Edição 265
De uma vez por todas
Deixou a casa às escuras, medindo os passos, para não ser notado.
Fechou a porta. Forçou a maçaneta, para conferir se estava mesmo trancada. Por alguma razão, guardou consigo a chave. Alojou a pesadíssima
mala no carro. Não olhou para trás. Queria encerrar aquele capítulo de
sua vida, de uma vez por todas.
Com a consciência leve, parou em um bar qualquer para brindar
à sua própria coragem. Afinal, havia demorado quase um ano para, de
fato, abandonar a mulher e a prole. Tomou com grande prazer a primeira garrafa de cerveja, a segunda também. Na terceira, reparou, finalmente, na atendente que o servia. Encantou-se pelo seu sorriso e pelas
suas formas. Em seis meses, Marinete mudou-se para o flat em que ele
se instalara, desde que deixara a família.
O relacionamento com Marta e os meninos fora regulado pela
Justiça. Uma pensão generosa, visitas e passeios de quinze em quinze
dias. A esposa aceitara os termos propostos sem grandes dramas: não
queria briga. A ela interessava apenas seguir a vida, na paz de Deus, até
que pudesse, quem sabe, encontrar outro amor. Isso aconteceria um
ano e meio depois, quando conheceu Aluísio Felipe, o advogado bem-
-sucedido que se tornou o seu namorado em uma semana.
Célio Mauro não gostou de ver as fotos da ex-mulher ao lado do
belo jovem, nas redes sociais. Tinha a sua Marinete, mas incomodava-o
muito imaginar a mãe de seus filhos nos braços – e pior, na cama – deoutro homem. Às escondidas, passou a monitorar os movimentos de
Marta e de seu novo parceiro. Irritava-o a hipótese de que ela o houvesse
esquecido, superando a tristeza do divórcio. Passou a roer unhas. Um
amigo chegou a dizer que a sua queda de cabelo era por conta do ciúme.
Marinete fingia não perceber as aflições do companheiro, até o dia em
que os dois casais se encontraram, casualmente, em um restaurante,
não havendo como ignorar o estado em que isso deixara Célio Mauro.
Em seis meses, Marinete voltou para a sua casa, para não ter que aturar,
por mais nenhum minuto, o homem nervoso e agressivo em que o seu
marido se transformara.
De novo sozinho, Célio Mauro passou a peregrinar pelos bares
da cidade, na esperança de encontrar uma outra Marinete, dessa vez,
quem sabe, capaz realmente de fazê-lo esquecer, para sempre, da primeira mulher. Fracassou. Desamparado pela sorte, e bebendo cada vez
mais, chegou até a pensar em acabar com a própria vida no dia em que
a Justiça concluiu, a pedido de Marta e sob inspiração de Aluisio Felipe,
que era melhor afastar as crianças do pai biológico. Foi a gota d’água.
Assim que teve a primeira oportunidade, fez o que, num dia de fúria,
planejou fazer, com a frieza de quem não tem mais nada a perder. Era
um sábado em que sabia que Marta estaria sozinha. Não demorou mais
que uma hora.
Deixou a casa às escuras, medindo os passos, para não ser notado.
Trancou a porta. Forçou a maçaneta, para conferir se estava mesmo
trancada. Por alguma razão, guardou consigo a chave. Alojou a pesadíssima mala no carro. Não olhou para trás. Queria encerrar aquele capítulo de sua vida, de uma vez por todas.