Março, 2021 - Edição 265
Da inquietude à poesia
Era manhã de dezembro de 2019, e um diálogo amoroso com o
mar acontecia. Uma pergunta fazíamos um ao outro: Qual caminho
percorrer?
Tantas incertezas se confundiam com oportunidades, idas e vindas e recomeços. Era preciso avançar e passar pelas pedras no percurso.
Sendo positivos, o mar e eu sabíamos que não podíamos ficar paralisados. Éramos caminhantes da completude. Seja lá o que viesse pela frente, enfrentaríamos juntos. Então, olhei para aquelas ondas e imaginei
todas as possibilidades.
Conflitos internos ainda existiam. Angustias tomavam conta dos
meus pensamentos. Ansiedade era por vez descompasso no peito.
Tempestade emocional batia à minha porta. Assim como o mar, às
vezes, tormenta, outras vezes, calmaria.
Nesse processo, eis que pela minha janela adentraram fragrâncias
de esperança e a vontade de me amar superou os meus medos.
Na inquietude desses tempos, encontrei o amor próprio. Sabia
que exercícios físicos eram indicações para o momento, porém, o autoamor foi o exercício diário mais importante da minha vida.
No meu canto, refleti. Fiz releituras do meu viver. Precisava excluir
certos pensamentos e incluir outras coisas. No silêncio, busquei inspiração. Os livros se tornaram companheiros da jornada. Amigos me
enviavam vibração, sem nada pedir em troca. Agradeci a essa gente da
gente, que permaneceu comigo mesmo distante.
Descartei de vez o peso desnecessário que entristecia o meu
ser. Fiz a faxina na alma. Me deixei rasgar. Me despi do que não fazia
mais sentido. Renasci de um outro jeito. Olhei para dentro de mim.
Autoconhecimento chegou e vi surgindo minha melhor versão. Me tirei
para dançar. Sensação de liberdade plena. Malas prontas para dentro de
mim, usei chapéu de flor para que o meu afago atravessasse distâncias,
e alcançasse corações. A poesia a mim se apresentou e a escrita se revelou. Versos ditos e não ditos no isolamento. Permiti escritas escondidas.
Rabisquei sobre lugares visíveis e imaginários. Em meus textos, revivi
momentos inesquecíveis, da infância, do amor de uma avó. Indaguei
o tempo e a chuva. Com espírito desbravador, fui pedaço de coração.
Fiz oração. Dei recado além e aquém da janela. Saí de mim mesma e fui
para a esquina da ilusão. Exercitei o amor. Ouvi a canção que faltava.
Amanheci dançando no claro do dia e deixei a luz invadir a minha casa,
a minha vida e o meu coração. Descobri o valor do olhar e também que
o amor é sofisticado. Aprimoramento no sentido amplo da palavra.
Hoje, um ano depois, me sinto decidida e mais forte. Não faço
questão, faço poesia.
O sonho que me habita perpassa por momentos surpreendentes.
Como a suavidade do voo de um passarinho. Como a chuva fininha que
molha o quintal e deixa o cheiro de terra molhada. Como a orquídea que
renasce e oferta flor outra vez.
E, assim, meu sonho se torna realidade e gesta outros sonhos
porvir.
Quanto a resposta àquela pergunta, é: seguir em frente. Sempre!