Fevereiro, 2021 - Edição 264
O anedotário entre os registros da academia
O humor é uma forma de Literatura. Seja que elastizemos o conceito, incluindo aí charges e cartoons, seja restringindo-nos ao sentido
mais literal do termo, quando então estaremos nos ocupando dos anedotários como repositório literário.
No primeiro caso, lembremos o Lesgens de justice, de Honoré
Daumier, coleção de charges publicadas entre 1845 e 1848, retratando
de maneira satírica o antigo sistema judicial francês. No segundo, as
Historiettes, de Tallemant dês Reaux, ou Memórias para servir à História
do século XVII, uma coleção de fatos em forma de retratos, notícias e
pequenos ensaios, a nos lembrar que, dentre os acontecimentos históricos, a distância a separar o trivial do essencial é bem menor do que à
primeira vista possa parecer.
Arriscando-me a melindrar profissionais do ofício, considero que
os anedotários, a depender da intenção do autor (e, naturalmente do
seu talento), podem constituir-se numa forma de escrever História; e
mais, que a busca do inusitado, do desconcertante, do risível, enfim, de
uma situação ou de um acontecimento, constitui-se numa abordagem
possível do fato histórico. E aqui, atento a tendência que ultimamente
vem impondo um estilo mais narrativo à escrita da História, podemos
ter o anedotário na conta de obra literária de preocupação histórica, na
medida que se utiliza de fatos necessariamente acontecidos.
Dentre os registros históricos da Academia Brasileira de Letras,
ocupam lugar de destaque os repositórios recolhidos pelo acadêmico
Josué Montelo nos seus Pequeno Anedotário da Academia Brasileira
de Letras (1961), posteriormente reeditado, em edição aumentada,
como Anedotário Geral da Academia Brasileira (1973), e Na Casa dos
Quarenta (1967). Se o perfil literário do autor de Tambores de São Luiz
dispensa comentários, lembremos ter sido Montello dos principais,
se não o mais destacado, historiador da Casa de Machado de Assis.
Tendo presidido a instituição, cuidou de levantar-lhe dados pertinentes à memória institucional, valendo lembrar suas Primeiras notícias
da Academia Brasileira de Letras (1997) e A Academia Brasileira entre o
Silogeu e o Petit Trianon (1997).
Mas em paralelo à memória institucional propriamente, Montello
“dá vida” às personagens que fizeram a história da casa. Recolheu casos
e chistes que lhes relembram o caráter e a personalidade, trazendo-os
de volta. Como esclarece na introdução ao Na Casa dos Quarenta: “animou-me a suposição de que, na urdidura de seus relatos, se delineiam
perfis humanos, alguns dos quais somente subsistirão ao longo do
tempo na evocação risonha da petite histoire.” Colha-se do registro de
fato que dá pista sobre o estranhamento entre Oliveira Lima e o Barão
do Rio Branco: este convida o primeiro para passearem na Rua do
Ouvidor, e, respondendo à curiosidade de Oliveira Lima, acrescenta,
sarcástico, “quero que todo mundo veja que o senhor é mais gordo do
que eu” (p. 103).
Não há dúvida de que para o público em geral esse tipo de material, ou de abordagem, torna mais atrativo o interessar-se pela memória
institucional de uma organização. No caso da Academia, o trabalho
de Montello aproveita não só a memória das grandes personalidades
literárias nacionais como, em última análise, a da própria Casa de
Machado de Assis.