Fevereiro, 2021 - Edição 264
Nélida em águas profundas
Ela é uma colecionadora de prêmios, nos dois lados do Atlântico – de alguns
dos mais importantes do Brasil, ao Juan Rulfo, do México (o de maior repercussão
continental), ao Vergílio Ferreira, de Portugal, e o Príncipe de Astúrias, no qual desbancou uns trinta e tantos nomes mundiais que estavam na lista dos premiáveis,
entre eles o norte-americano Paul Auster e o israelense Amos Oz.
E mais e mais: no Chile, Colômbia, Estados Unidos...
Traduzida em mais de 30 países, Nélida tem passado com louvor pelo
crivo de sumidades internacionais como o vencedor do Prêmio Camões de 1990,
Eduardo Lourenço, autor de O Labirinto da Saudade: psicanálise mítica do destino português, que dela disse: “Estamos perante uma das grandes escritoras da América Latina e a
maior escritora brasileira viva.”
O mexicano Octavio Paz, Prêmio Nobel de 1990, não deixou por menos: “O Brasil é a
terra de uma das mais admiráveis romancistas da América Latina: Nélida Piñon.” Ao que outro
nobelizado, Mário Vargas Llosa, acrescentou: “Nélida é uma das pessoas mais encantadoras
que já conheci, não apenas uma escritora muito fina, mas uma mulher extraordinária.”
Também não lhe pouparam louvores:
Carlos Fuentes, os críticos do Le Monde, do ABC – de Madri -, da revista Publishers
Weekly, dos jornalões The New York Times e Washington Post, para quem a carioca de origem
galega Nélida Piñon “é uma romancista de inquestionável estatura internacional”. E mais e
mais.
Isso para pinçar apenas algumas high lights da sua fortuna crítica, sem deixar de fora
as de um conceituadíssimo escritor brasileiro, Alberto Mussa, que,
no prefácio à edição comemorativa dos 30 anos do monumental
A República dos Sonhos (Editora Record, 2015), destacou a grande
marca estilística de Nélida, “o que a irmana e simultaneamente a
distingue numa longa e antiga fila de escritores primais, subversores de idiomas, criadores de linguagens, sejam de matriz popular
ou erudita”.
Obra gigantesca, tanto em tamanho (mais de 700 páginas)
quanto em significação, definida por Mussa como “esplêndida”, A
República dos sonhos figurou, no ano 2000, num balanço do jornal
El País, de Montevidéu, entre os 5 melhores romances americanos
do século XX, ao lado de Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa,
Cem anos de solidão, de García Márquez, Pedro Páramo, de Juan
Rulfo e O Som e a Fúria, de William Faulkner.
Sim, estamos falando de um dos altíssimos pontos da extensa e diversificada bibliografia da romancista, contista, ensaísta e
igualmente brilhante conferencista Nélida Piñon, que desde a sua
estreia literária, em 1961, com Guia-mapa de Gabriel Arcanjo, dedica a sua vida à literatura, de forma obstinada.
Ei-la em plena forma, aos 83 anos:
— Um Dia Chegarei a Sagres. E na condição de herdeiro do
rei – eis aí o mantra do protagonista da história, o plebeu Mateus, um personagem do século
XIX que, nas suas aventuras e desventuras, do extremo Norte ao extremo Sul de Portugal, é
levado à fronteira da nostalgia do glorioso passado de um país de conquistadores dos mares,
desde o pai da pátria, o infante D. Afonso Henriques, tendo aos ouvidos a heroica poesia de
Camões, e cruzando com “cortejos de miseráveis na esteira de uma monarquia que devia
trono e fortuna ao seu povo”.
Para dizer o mínimo:
Um Dia Chegarei a Sagres é um primor de narrativa, num texto cadenciado, luminoso, deslumbrante, que torna a última flor do Lácio ainda mais encantadora, além de coroar
plenamente a poderosa trajetória literária de Nélida Piñon, outra vez a mergulhar nas águas
profundas do romance com um fôlego impressionante, levando-nos à travessia de suas 510
páginas sem pestanejar.