Janeiro, 2021 - Edição 263

Adeus a Eduardo Lourenço

Um dos maiores ensaístas de Portugal, Eduardo Lourenço morreu aos 97 anos, no final de 2020. Conhecido pelas análises certeiras da identidade lusitana, o célebre crítico foi muito além da filosofia e da literatura.

A sua escrita, única e inconfundível, revela, com linguagem poética, uma extraordinária intuição nas análises dos principais autores do século XX. Não houve autor ou corrente relevante que lhe tenham passado despercebidos.

Devoto seguidor de Antero de Quental e da sua geração, renovadora e audaciosamente crítica, seguindo na linha de Garrett e Herculano, considerou a cultura portuguesa como em constante diálogo entre tradição e inovação, entre identidade e diversidade, sempre estimulada pelos desafios da modernidade.

Nascido em São Pedro do Rio Seco, Portugal, em 23 de maio de 1923, o filósofo, ensaísta, crítico literário e escritor era licenciado em Ciências HistóricoFilosóficas (1946).

Permaneceu na Universidade de Coimbra como assistente de Filosofia, entre 1947 e 1953. Nesse período, publicou o primeiro livro, Heterodoxia (1949).

Foi professor de Cultura Portuguesa, entre 1954 e 1955, na Alemanha (em Hamburgo e Heidelberg), exercendo depois a mesma atividade na Universidade de Montpellier (1956-58). No ano seguinte, passou a viver em Salvador, Bahia, dando aulas de filosofia, na UFBA, onde manteve contatos com Glauber Rocha. “Um menino que trafegou entre a euforia e a tragédia” e assistiu à entronização de Jorge Amado como pai-de-santo.

Em 1960, mudou-se para a França e passou a lecionar nas Universidades de Grenoble (até 1965) e de Nice (1965-1987). Seu livro mais famoso é um estudo da mitologia lusitana: O Labirinto da Saudade (1978). Em sua bagagem, constam ensaios polêmicos como “Presença ou a contrarrevolução do modernismo português?” (1960), “Sentido e forma na poesia neorrealista” (1968) e “Pessoa revisitado” (1973). Dada a identificação de Fernando Pessoa com o erotismo muito semelhante ao do Rei da Baviera (Luiz), o autor acredita que ele era homossexual “pelo menos na cabeça”.

Com uma clara autoridade moral, foi-lhe atribuída a Ordem de Santiago da Espada em 1981 e o Prêmio Europeu de Ensaio Charles Veillon (concedido em 1988 por ocasião da sua obra Nós e a Europa ou as Duas Razões) no ano em que foi colocado em Roma como adido cultural português.

Em 1996, recebeu o Prêmio Camões e, em 2001, o Prêmio Vergílio Ferreira da Universidade de Évora. Em 2007, foi distinguido pela Universidade Bolonha com o título de Doutor Honoris Causa em Literaturas e Filologias Europeias. Viveu desde 1974 em Vence, vilarejo de 15 mil habitantes a 20 km de Nice, na Côte d’Azur francesa.

Um dos pensadores mais proeminentes da cultura portuguesa, era, desde 2016, um dos 19 conselheiros de Estado do presidente Marcelo Rebelo de Sousa, que, em nota enviada à imprensa no dia de sua morte, o considerou o mais destacado intelectual público de Portugal, como nenhum outro “alheio à altivez, à auto-satisfação, ao desdém intelectual, ao desinteresse pelas gerações seguintes”. Rebelo de Sousa realçou a “coincidência simbólica” de “o maior pensador sobre Portugal vivo” ter morrido no dia da Restauração da Independência:

“Portugal está-lhe muito, muito grato. Foi praticamente um século de serviço à nossa pátria.”

Por Maria Cabral