Dezembro, 2020 - Edição 262

Noiva

Foi lindo ter-me vestido de noiva um dia! Eu era jovem e pensei: “Agora vou me tornar diferente, serei algo que não conheço, mas posso ser.” Ardi, tive medo, tremi, representei o papel de sedutora. E você foi fiador dos meus sonhos, não fugiu de mim, meu bem precioso.

Essa emoção reviveu dentro de mim ao assistir ao vídeo da noiva de Beirute. Ela estava radiante, perto do porto, envolta em rendas e espumas, fazendo um ensaio fotográfico. Um buquê de rosas amarelas foi colocado estrategicamente sobre o véu que despencava feito uma cascata. De repente, a explosão. Tudo voou na corrente de ar, naquele fim de outono. Ela teve a sensação de que iria morrer. O poeta Fernando Pessoa (1888-1935), também num porto, olhando o mar de Portugal, exclamou: “– Quantas noivas ficaram por casar para que fosses nosso, ó Mar!” Mais melancólico do que isso, só mesmo aquelas que foram enterradas vestidas de noiva, virgens, com lírios entre os dedos ou que rolaram pelo abismo em seus cavalos, a caminho da igreja.

Vestir-se de branco no dia do casamento foi ideia da rainha Vitória (1819- 1901), uma das monarcas mais icônicas da Inglaterra, que designou uma era. Apaixonada e feliz, casou-se com Albert de Saxe-Coburgo e Gotha, com um traje branco com bordados, um longo véu, coroa de flores de mirto e laranjeira, dando início a essa tradição de moda. Tiveram nove filhos. Ele faleceu subitamente, levado por uma febre de tifo. Ela passou mais da metade de sua vida viúva, toda de negro, luto fechado, isolada em seu castelo, em inconsolável tristeza.

Há outras noivas marcantes na história e na literatura, como, por exemplo, Marília. O livro Marília de Dirceu foi publicado em 1792, mesmo ano em que Dirceu, pseudônimo do poeta mineiro Tomás Antônio Gonzaga (1744-1810), partiu para o exílio em Moçambique. Deixou a noiva Marília, que de fato se chamava Maria Doroteia Joaquina de Seixas Brandão (1767-1853), desolada. Dedicou a ela versos amorosos, de uma ternura comovida, espontânea, versos à sua “Marília bela”, sua “Estrela”, aquela que não veria mais o trabalho dos cativos de Minas Gerais, tirando granetes de ouro dos rios e das serras; que não veria mais as plantações de cana e tabaco, nem faria companhia ao seu amado enquanto ele, jurista brilhante, estivesse lendo os volumes dos processos e dos pleitos. O casamento estava marcado exatamente para o dia em que ele foi preso por ser um membro da Inconfidência Mineira. No degredo africano, o poeta casou-se com a filha de um rico negociante. Já Marília esperou por ele até seu último suspiro, aos 85 anos, em profundo desgosto. Os restos mortais do poeta voltaram ao Brasil e ambos estão sepultados juntos, na antiga Casa dos Contos, em Ouro Preto.

Relato semelhante é o caso de Manoela de Paula Ferreira (1820-1903), a eterna noiva de Garibaldi. Manoela era loira, graciosa como um anjo de olhos azuis. Alimentou um amor impossível pelo guerrilheiro. Ele se encantou por ela, mas logo desistiu para não enfrentar a oposição da família e por estar envolvido com a Revolução Farroupilha. Na cidade de Laguna, ele conheceu Anita. Ela engravida e dá à luz um filho, Menotti. A corajosa Anita partiu para a Itália com Garibaldi. Morreu aos 28 anos, lutando pela unificação italiana. Manoela manteve-se fiel e solteira até a velhice, sublimando aquele amor não concretizado e trágico.

Désirée Clary (1777-1860), filha de um comerciante de sedas de Marselha, foi noiva de Napoleão. Um noivado quebrado quando ele se envolveu com a exuberante Josefina. Depois da desilusão, ela se casa com o Marechal Bernadotte e vem a ser futuramente rainha da Suécia. Mas, além dos homens, Désirée amava uma cidade: Paris. Não conseguia viver longe de suas pontes, de seus lampiões, das folhas secas na borda do rio Sena. Visitava o marido durante suas campanhas militares pela Europa. Enquanto isso, frequentava a corte de Napoleão com grande influência política e familiar, pois sua irmã Júlia era casada com José, irmão do imperador. Acompanhou o auge e o declínio do antigo noivo até a morte dele.

E, por falar em José, não podemos esquecer de Maria, a noiva judia, prometida, talhada, anunciada para mãe do Messias. Era noiva de José e apareceu misteriosamente gestando um fruto no ventre. José, aconselhado por um anjo, recebeu-a em sua casa como esposa, salvando-a do apedrejamento. Noiva sempre desejada.

As fotos de casamento nos fascinam. Debruçamo-nos sobre elas. Qual terá sido o destino desses noivos? Como se deram as bodas? As núpcias? Como selaram essa aliança? Com palavras? Com laços? Com sangue? Com liames de prata? Como tiveram coragem de entrar juntos num barco frágil, diante das atrozes tempestades? Como puderam confiar numa aventura? Meus olhos sempre marejam de lágrimas quando vejo uma noiva. Passaramse tantos anos, mas sempre me delicio em lembrar que um dia fui tua noiva.

Por Raquel Naveira - da Academia Sul-matogrossense de Letras.