Novembro, 2020 - Edição 261

O escritor que não consegui entrevistar

Acabo de reler um livro sobre Porto Seguro, o paradisíaco rincão da Bahia, onde, em 1500, aportou o almirante Pedro Álvares Cabral com sua frota de 13 embarcações, uma das quais (provavelmente a Santa Cruz) comandada por um tal Aires Gomes da Silva, que morreu num naufrágio, na viagem de regresso a Lisboa.

Refiro-me ao volume, de elegante capa dura, intitulado Porto Seguro, com reproduções de quadrosa óleo e gravuras do grande pintor Sérgio Telles, também diplomata, embaixador aposentado, globe-trotter, nascido no Rio de Janeiro em 1936 e há anos morando na cidade de São Paulo. O livro traz textos do próprio Sérgio Telles, de sua senhora, Vera Telles (também carioca e diplomata, tradutora e pesquisadora de temas históricos), de Jorge Amado, de Gaston Diehl (crítico de arte francês), de Josué Montello e de Luís Vianna Filho (sic).

Aqui quero chegar ao assunto nuclear deste artigo. Em 1979, quatro anos depois de minha chegada a Brasília, publiquei o livro Escritores Brasileiros ao Vivo, pela Editora Comunicação/MEC-INL, volume 1. Em 1980, saiu o volume 2, pelo mesmo selo editorial, com apresentação de Ary Quintella e prefácio de Wilson Castelo Branco. Esses dois volumes contêm 67 entrevistas com escritores moradores de Brasília ou que aqui moraram ou por aqui estiveram de passagem. Foram publicadas antes no Suplemento Literário do jornal Minas Gerais (SLMG), fundado por Murilo Rubião e então dirigido por Wilson Castelo Branco. Dentre os entrevistados, menciono apenas os que já partiram deste mundo: Altimar Pimentel, Ary Quintella, Vianna Moog, Cassiano Nunes, Carlos Castelo Branco (o Castelinho), Domingos Carvalho da Silva, Almeida Fischer, Joanyr de Oliveira, Samuel Rawet, Dinah Silveira de Queiroz, Fernando Mendes Vianna, Herberto Sales, Antonio Carlos Villaça, Josué Montello, Adonias Filho, Alphonsus de Guimaraens Filho, Anderson de Araújo Horta e Maria Braga Horta, Curt Meyer-Clason (tradutor de Guimarães Rosa para o alemão), Cyro dos Anjos, Edson Nery da Fonseca, Guilherme Figueiredo, H. Dobal (Hindemburgo Dobal Teixeira), Jorge Amado, José Geraldo Pires de Melo, Aluízio Valle, José Santiago Naud, Nilto Maciel, Paulo Rónai, Olga Savary, Yolanda Jordão, Altino Caixeta de Castro, Octávio de Faria.

Tentei, algumas vezes, entrevistar Luís Viana Filho, escritor, biógrafo, político, historiador, memorialista, acadêmico. Creio que lhe dirigi carta, como de costume. Conversei com ele algumas vezes, uma delas na presença do então presidente José Sarney, de quem era muito amigo. Tudo em vão. Não consegui a concordância dele para uma entrevista futura. Era um homem com tempo escasso e cronometrado, um político realmente muito importante. Acostumado ao relacionamento com jornalistas políticos de expressão, como Carlos Castelo Banco (o famoso Castelinho), Sebastião Nery, Augusto Nunes, Leonardo Mota Neto, Pedro Rogério Moreira, Oliveira Bastos, Paulo Cotta, Rubem Azevedo Lima, Silvestre Gorgulho, Luiz Gutemberg e outros, ele por certo não queria perder o precioso tempo com um jovem repórter desconhecido de sua alta roda. Até entendo. Respeito sua biografia e sua bagagem literária. Continuo seu admirador e leitor. Mas eu realmente gostaria de ter feito aquela entrevista, ainda que por escrito. Mas a vida continuou, continua. E o que não aconteceu virou assunto deste artigo de reminiscências brasilienses.

No livro Porto Seguro, sobre Sérgio Telles, o magnífico pintor, leio os dados biográficos de um dos autores, Luís Viana Filho. Nestes termos: “Luís Vianna Filho é baiano e nascido em Paris; político, jurista, escritor, é professor catedrático de História do Brasil e Direito Internacional Público, e senador pela Bahia, Estado do qual foi governador. Deputado federal, ex-ministro de Estado da Justiça, chefe do Gabinete Civil, presidente do Senado, o mais importante memorialista brasileiro e membro da Academia Brasileira de Letras, do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, das Academias portuguesas de Cultura, Ciências e História. Condecorado no Brasil e em diversos países estrangeiros, Luís Vianna Filho tem cerca de trinta obras publicadas, entre as quais A Vida de Rui Barbosa, A Vida do Barão do Rio Branco, A Vida de José de Alencar, A Vida de Eça de Queiroz, Três Estadistas: Rui, Nabuco, Rio Branco, A Vida de Joaquim Nabuco.”

Luís Viana Filho, que hoje dá nome à Biblioteca do Senado Federal, nasceu, como foi dito, em Paris, em 28 de março de 1908. Diplomou-se em Direito na Bahia. Foi jornalista, jurista, político, professor universitário. Ministro-chefe da Casa Civil do presidente Humberto de Alencar Castelo Branco. Governador do Estado da Bahia. Presidente do Senado Federal.

Membro da Academia Brasileira de Letras, da Academia de Letras da Bahia, da Academia Brasiliense de Letras e de outras instituições, já mencionadas. Além das já citadas, publicou também as seguintes obras: A Língua do Brasil, A Sabinada, A Verdade na Biografia, O Negro no Brasil, Afrânio Peixoto, O Último Ano de Rui na Bahia e A Vida de Machado de Assis e Castelo Branco: testemunhos de uma época. Faleceu em 5 junho de 1990. Biógrafo seguro e minucioso, Luís Viana Filho deixou vasta e valiosa bibliografia e merece todo o respeito do mundo cultural de língua portuguesa. Uma vida honrada e admirável, acima das paixões políticas e das preferências ideológicas.

Não tive a honra de incluí-lo entre meus entrevistados, embora tenha tentado algumas vezes, até em curtos diálogos com ele. Não me lembro se pedi o adjutório do nosso comum amigo Almeida Fischer. De qualquer maneira, não atingi meu objetivo. Nosso autor consta, em bem informativo verbete, do sempre útil e apreciado Dicionário de Escritores de Brasília, de Napoleão Valadares, já correndo para a 4ª edição.

Na Academia Brasileira de Letras, Luís Viana Filho ocupou a cadeira nº XXII. Seu sucessor imediato foi Ivo Pitanguy. A cadeira é agora ocupada pelo grande romancista João Almino, atual embaixador do Brasil no Equador. Na Academia Brasiliense de Letras, Luís Viana Filho ocupou a cadeira XXIX, de que é patrono o contista goiano Hugo de Carvalho Ramos. O atual titular da cadeira é o escritor, também goiano, Alaor Barbosa.

Para rematar estas notas de um velho repórter, aqui vai um trecho do notável livro Paisagens Portuguesas – uma viagem literária, de Luís Forjaz Trigueiros (1915-2000), uma edição da Nova Fronteira, 1985: “Não fui nesse passeio coletivo a Tormes e, portanto, apenas o imagino. E não fui, porque por ocaso na semana seguinte ali teria de ir, compromisso de há muito tomado com o meu amigo Luís Viana Filho e que não podia antecipar. Recebi, porém, os ecos imediatos ou quase dessa iniciativa e, sobretudo, pude ver Tormes pela primeira vez, porque, afinal, também eu nunca lá tinha ido.”

Assim, os dois amigos e xarás, profundos conhecedores da obra de Eça de Queiroz, subiram juntos a Serra de Tormes, onde se situava a Quinta de Santa Cruz do Douro (que Eça de Queiroz crismou de Quinta de Tormes), inspiração para o esplêndido romance que é A Cidade e as Serras, onde o romancista diplomata escreveu: “… serra tão acolhedora, serra de fartura e de paz, serra bendita entre as serras…” Brasília, 23/09/2020.

Por Danilo Gomes - da Academia Mineira de Letras.