Outubro, 2020 - Edição 260

Um mestre que marcou a vida

Estudei no antigo Ginásio (hoje Colégio) 7 de setembro, em Fortaleza, durante cinco anos, da então quinta série primária à quarta ginasial. Cinco anos que me marcaram fundo, pela presença inesquecível do seu diretor, Edilson Brasil Soárez (1914-1975). Assim também dirá, estou certo, quem teve o privilégio de passar por suas mãos de mestre. Nos dias de hoje, em que a educação foi criminosamente rebaixada a um negócio como outro qualquer; em que se comprimem cem alunos numa sala para arremedos de aula; em que todo capitalista mais sabido se julga habilitado para dirigir um colégio, dá pena reconhecer que professores como Dr. Edilson são uma espécie a caminho da extinção.

Naquela época, ele entendia o processo educativo como demasiadamente amplo para se restringir aos estreitos limites da sala de aula. E o grêmio literário era uma verdadeira escola de civilidade, de desinibição, de liderança e de democracia – as eleições para a presidência, sempre diretas, eram concorridíssimas. Lembro-me de que, orador da diretoria, levei certa vez ao colégio ninguém menos que Luiz Gonzaga, o “Rei do Baião”, que começou por me apelidar de “Carrapicho”, tal a insistência com que o perseguira para que cantasse na nossa matinal às quartas-feiras (de graça, além do mais...).

Havia, também, o Clube Pan-Americano Barão do Rio Branco, que nos desenvolvia o espírito de solidariedade para com os povos do continente. Ainda hoje me sinto afetivamente ligado ao Paraguai, sobre que muito aprendi como seu delegado junto à nossa pequena Organização dos Estados Americanos (OEA). A assistência à comunidade era prestada pelogrupo escoteiro do colégio – um dos maiores e mais atuantes do Ceará – e pelo Interact Club, subsidiário do Rotary. Por trás de tudo isso, a figura inquieta do Dr. Edilson – com seu tique de ajeitar a gravata e virar o pescoço –, cujo entusiasmo juvenil nos contagiava a todos.

Candidatos ao Exame de Admissão ao Ginásio, jamais nos esqueceremos dos seus famosos “concursos de ditado”. Espalhados pelo auditório, folha de papel almaço sobre a carteira, aguardávamos ansiosos que abrisse o Cazuza, de Viriato Correia, e desse início à maratona. O critério de correção já conhecíamos: um ponto a menos por cada erro. Hoje, a “escola moderna” condena o ditado e a cópia como coisas ultrapassadas – e o que vemos são alunos grafando palavras elementares da maneira mais estapafúrdia possível.

A verdade é que agradar pais e alunos não estava mesmo entre as preocupações daquele professor. Bem conforme o perfil – verdadeira profissão de fé – por ele mesmo traçado no banquete que marcou, em 1960, o jubileu de prata do Ginásio: “Um diretor de colégio tem de reunir em si qualidades as mais variegadas e multiformes. Tem de possuir, em si, ao mesmo tempo intuição de psicólogo e de pedagogo, de pai e de juiz, de um Jó e um Salomão, de sacerdote e de diplomata, um pouquinho de ditador e uma boa parcela de paciente genitora.” Para concluir depois, não sem uma ponta de mágoa: “De um diretor nada se dispensa. Uma palavra mais apressada, um ato mais precipitado, anulam anos de possível lhaneza ou cavalheirismo. Nessas oportunidades tudo se olvida, nada se agradece, embora que, possivelmente, com o perpassar dos anos, se possa fazer justiça.”

Esse, o Dr. Edilson que conheci, de quem ainda hoje guardo, com orgulho, um livro que dele recebi em 1965, Os Grandes Homens da Ciência, de Grove Wilson, com a dedicatória que me envaidece: “Prêmio conferido ao aluno Edmílson Caminha pela sua brilhante participação no concurso promovido pelo Departamento de Trânsito, em que representou o Ginásio 7 de Setembro.” O privilégio de dever-lhe tanto marcou-me a vida para sempre, pela generosidade humana e pela vocação de educador com que nos deu um inesquecível exemplo de retidão moral e de conduta ética. Em recompensa, só posso oferecer-lhe gratidão, “essa palavra-tudo”, como escreveu Carlos Drummond de Andrade.

Por Edmílson Caminha