Outubro, 2020 - Edição 260

Um dia de uma professora rural

Dez e meia: hora da comida familiar. Onze horas: a professora recolhe a sacola com livros e cadernos, revistos à noite. Diante de um sol incandescente, abre a sombrinha e, entre os trilhos da estrada de ferro, caminha em direção à escola. Seguem-na, alegres e tagarelas, as crianças e o duque, o cachorro da casa. Passam por pontes e pontilhões, sem cremes solares, sem protetores para o futuro da pele, desconhecendo esses cuidados.

Meio-dia: meninos e meninas, formados de acordo com a série, entram na escola e tomam os seus lugares. Depois da oração, a professora distribui conhecimentos entre os diferentes níveis: Português, Matemática, Ciências, História e Geografia do Brasil, mostrado num mapa na parede. Aos do 3º e 4º ano, a professora oferece informações e tarefas mais aprofundadas que aos do 1º e 2º, que, contudo, aproveitam também dos ensinamentos, enquanto vão desvendando das palavras outras vidas e lugares – simbiose auditiva própria do saber humano e capacidade da mulher de direcionar a sua atenção para diversos segmentos processam-se ali. Hora do recreio.

A professora não deixa de distribuir uma merenda a essas crianças, na maioria filha de colonos da fazenda. Momento de animação. Correm os meninos. Cantam algumas meninas, cantigas de roda. Sentam-se outras perto da professora para ouvir causos e doutrinamentos que modelarão os seus caracteres e farão sempre se lembrar dela. Mas há um dia na semana para as atividades artísticas: desenho, bordados, diversos trabalhos manuais, canto cívico e folclórico, ou a representação de uma história dramatizada.

Na sala, de antigas gretas, nas rústicas paredes, sente-se, ainda, o cheiro da palha de café, que da máquina piladeira fazia explodir, para amontoar-se na eira, mas dela partem vozes “Ouviram do Ipiranga”, “Qual cisne branco em noite de lua”, “Salve lindo pendão da esperança”, e risadas com encenações do Lobo Mau, da Gata Borralheira, animações que destoam do ruído antigo produzido pela máquina tlhem... tlhem... tlhem...

Quatro horas: a aula termina para os alunos, pois a professora recolhe os cadernos de tarefas para correção em casa e preenchimento do plano de aulas. Todos têm que voltar antes de passar o trem das quatro e meia, mas a conversa entre professora e aluno continua, e caminhando continua o conhecimento, entre os trilhos, pontilhões e pontes. Esse foi o percurso por décadas de minha mãe.

Por Ester Abreu Vieira de Oliveira - presidente da Academia Espírito-santense de Letras.