Outubro, 2020 - Edição 260

Recordações da Manchete

Em live, o jornalista e acadêmico Arnaldo Niskier foi entrevistado por Ana Maria Ramalho. Eis o resultado:

Ana Maria Ramalho: Arnaldo Niskier, além de imortal, foi o primeiro judeu presidente da Academia Brasileira de Letras. Você foi sempre muito ligado à educação, dirigiu, naquele império que foi a Bloch, o Departamento de Educação. Seu filho é dono de universidade. Em dois anos e meio, tivemos dois desastres de ministros e um parece que joga mais as mãos para o céu do que toma atitude em relação à educação nesse momento horroroso. Quero saber o que me diz sobre isso.
Arnaldo Niskier: É um caos. Escrevi um artigo que saiu em O Globo: O Ministério está parado. Hoje se anuncia a doação de internet para os alunos pobres. Já tem cinco meses de pandemia. Precisava tanto tempo para que esse pessoal acordasse quanto à necessidade de colocar internet em todas as escolas, sobretudo nas escolas mais pobres?
Ana Maria Ramalho: Uma gente que não sabe o que está falando. Aquele Weintraub...
Arnaldo Niskier: Além das agressões à língua portuguesa, o que é inadmissível em quem exerce essa atividade. Somos cultores da língua pátria, escrevemos, somos jornalistas...
Ana Maria Ramalho: Você, por pouco, não foi ministro da Educação do governo do nosso querido Tancredo Neves que, infelizmente, não assumiu. É a história que quero que você conte.
Arnaldo Niskier: O Adolpho Bloch resolveu homenagear o novo ministério com um jantar muito bonito (como tudo que fazia), na sede da Manchete em Brasília, dois dias antes do que seria a posse de Tancredo Neves. Foram todos os ministros já convidados pelo Tancredo Neves. Quem lembra sempre isso é o nosso querido Bernardo Cabral. Quando Tancredo chegou à sede da Manchete, o Adolpho Bloch me pediu para receber o presidente. Fui, ele passou a mão no meu ombro (tem foto disso, ele com a mão nos meus ombros) e disse: “Vou precisar muito da sua ajuda mais para adiante.” Achei aquela fala meio enigmática. Quando o jantar começou (eu estava com aquilo na cabeça), fui até o filho do Tancredo, Tancredinho, que era meu amigo, já conhecia do governo Chagas Freitas, e disse: “O seu pai me disse isso. O que isso quer dizer?” E ele respondeu: “Quer dizer que ele não pôde fazer de você ministro agora, porque não quer desagradar ao Brizola. Ele consultou todos os governadores para indicar os ministros, então ele não quer desagradar ao Brizola, portanto não ia convidar você ao arrepio do Brizola. Daqui a um ano, ele vai mudar o ministério e vai chamar você para ser ministro da Educação.” Simples assim, foi assim que se passou. Então, imaginava que dali a um ano seria ministro da Educação. Tancredo gostava muito de mim e eu dele; nos respeitávamos mutuamente. Então, você imagina o sofrimento que foi. No dia seguinte, teve um outro jantar na casa de um publicitário, Euler da MPM, e lá chegou o Carlos Átila, que, você lembra, era porta-voz do governo, do Itamaraty, e disse: “Amigos, quero lhes dar uma notícia triste: não haverá posse.” Todos ficaram perplexos e se perguntaram: “Como não haverá posse?” Ele disse: “O presidente acaba de ser internado, vai ser operado, é grave e a posse será adiada.” Aí foi aquele zum-zum-zum e o resto a história conta. O Tancredo resumia a expectativa favorável, a esperança do povo brasileiro. Todo mundo queria que ele assumisse, era um indivíduo bondoso. Conhecia tudo de política e da vida brasileira, foi uma pena. O Brasil teria tomado outro rumo se o Tancredo tivesse tido quatro anos de presidência.
Ana Maria Ramalho: Hoje li que o Ministério da Defesa vai ter, no orçamento do ano que vem, mais 40 e tantos bilhões, e a Educação vai perder 1 bilhão. Para que precisamos de 40 bilhões na Defesa? Por acaso, o país está em guerra? Precisamos de submarinos, drones, aviões? Nada disso, aqui está tudo calmo.
Arnaldo Niskier: Essa é a escala de valores com a qual trabalhamos e que naturalmente está subvertida. Por que demoramos tanto a cuidar do Coronavírus? Por que demorar tanto? Outros países, a Coreia do Sul, a Índia, a Alemanha, começaram imediatamente a cuidar da sua população e o sofrimento foi muito menor, houve muito menos vítimas fatais do que aqui.
Ana Maria Ramalho: Um presidente que não entrou em nenhum hospital para bater no ombro de alguma mãe que tivesse perdido o filho? É surreal isso. E o povo morrendo e não está vendo nem classe social, porque as pessoas estão morrendo em várias classes, em várias idades e a banda segue. E essa história da taxação do livro?
Arnaldo Niskier: Fiz um programa, na semana passada, no canal Futura, com o acadêmico e poeta Antonio Carlos Secchin e falei sobre isso. Vou repetir o que foi um argumento meu e dele: “É um verdadeiro absurdo que se comete contra a cultura brasileira taxar o livro na reforma tributária.” Se essa reforma tributária já é controversa, já tem muita gente contra, eles conseguem quase o milagre da unanimidade. Agora entra toda a faixa cultural do país contra a reforma, porque cobrar um imposto sobre o livro, ou seja, criar 20% a mais de custo em cada livro adquirido é uma aberração. Não posso dizer outra coisa, não faz o menor sentido.
Ana Maria Ramalho: E numa hora dessa, num momento em que as editoras e os escritores estão no sufoco.
Arnaldo Niskier: As livrarias estão fechando. Estávamos acostumados à Livraria Saraiva, imensa. Em vez de facilitarem o caminho para que essas coisas sejam superadas, eles estão criando complicações que levarão fatalmente, de certa maneira, a sacrificar a indústria do livro. Livro é uma paixão, é verdade, é uma paixão.
Ana Maria Ramalho: Dá tristeza olhar isso tudo, que é uma coisa mundial, mas que aqui está sendo muito pior.
Arnaldo Niskier: Por causa dos descuidos e da falta de previsibilidade. Não houve uma previsão correta do momento de agir. O governo até hoje ainda está remanchando, fazendo coisas que são verdadeiros absurdos. Você falou do João Cabral de Melo Neto, de quem fui colega na Academia Brasileira de Letras, e tinha uma admiração especial por ele, porque, como eu, era torcedor do América Futebol Clube. Estou aqui com o poema que li outro dia, você quer que leia?
Ana Maria Ramalho: Quero, todo mundo quer que você leia.
Arnaldo Niskier: Morte e Vida Severina de João Cabral de Melo Neto:

“— O meu nome é Severino,
não tenho outro de pia.
Como há muitos Severinos,
que é santo de romaria,
deram então de me chamar
Severino de Maria;
[...]
se ao menos mais cinco
havia
com nome de Severino
filhos de tantas Marias
mulheres de outros tantos,
já finados, Zacarias,
vivendo na mesma serra
magra e ossuda em que eu
vivia.
[...]
— E foi morrida essa morte,
irmãos das almas,
essa foi morte morrida
ou foi matada?
— Até que não foi morrida,
irmão das almas,
esta foi morte matada,
numa emboscada”.


O Brasil tem autores extraordinários, como a Clarice Lispector...
Ana Maria Ramalho: Nélida Piñon, Lygia Fagundes Telles, pessoas maravilhosas...
Arnaldo Niskier: Elas seguem a trilha aberta pela Rachel de Queiroz, que foi a primeira mulher a entrar para a Academia Brasileira de Letras.
Ana Maria Ramalho: A Rachel andou escrevendo para a Manchete?
Arnaldo Niskier: Ela foi colaboradora do O Cruzeiro, na última página. Fui intermediário, a pedido do Adolpho Bloch, de uma cantada na Rachel de Queiroz para que ela viesse para a Manchete, e a convidei para um almoço. Ela foi ao almoço, lá no Russel, com o Adolpho, com o Justino Martins, o diretor da revista. Mas não aceitou.
Ana Maria Ramalho: Os almoços do Russel eram épicos.
Arnaldo Niskier: O Murilo Melo Filho, que faleceu há pouco, dizia que a Manchete era um restaurante que editava revistas.
Ana Maria Ramalho: Aquele prédio lindo, maravilhoso, cheio de obras de arte...
Arnaldo Niskier: Você trabalhou na Pais & Filhos?
Ana Maria Ramalho: E na Manchete.
Arnaldo Niskier: Na Manchete também, inclusive comigo. Eu era chefe de reportagem e você, repórter.
Ana Maria Ramalho: Exatamente. Eu e a Rosa Freire d’Aguiar, a Rosa Furtado...
Arnaldo Niskier: Tive o privilégio de votar no Celso Furtado para a Academia. Ele precisava de vinte votos e teve vinte votos. Cada voto foi precioso. O Roberto Campos também...
Ana Maria Ramalho: Duas cabeças notáveis, um de direita e outro de esquerda.
Arnaldo Niskier: Muita gente não queria o Roberto Campos. A Rachel de Queiroz era cabo eleitoral do Roberto Campos e me pediu: “Você, como meu afilhado, não vai falhar comigo. Preciso que você vote no Roberto Campos.” Evidente que obedeci e ele teve os vinte votos necessários.
Ana Maria Ramalho: E ele, de qualquer maneira, era um vulto, um homem de extrema inteligência, escreveu o livro Lanterna na Popa...
Arnaldo Niskier: Sabe o que fiz para completar a gentileza com a Rachel de Queiroz? Surgiu uma vaga na diretoria da Academia Brasileira de Letras, eu era o presidente, e convidei o Roberto Campos para entrar como secretário da Academia. Ele aceitou e ficou orgulhoso de dizer que fazia parte da diretoria da Academia Brasileira de Letras.
Ana Maria Ramalho: Mas quem é que resiste aos seus convites? Você, se não tivesse sido jornalista, educador, deveria ter sido diplomata. Você conseguiu passar naquela Bloch onde vivi alguns anos, aquilo era um hospício, as pessoas eram loucas. O Jaquito era mau, o Oscar brigando com Adolpho, o Adolpho comendo slides, era um hospício aquilo.
Arnaldo Niskier: “Cromofagia.” Adolpho criou a palavra. Quando não gostava de uma foto colorida, mordia, arrancava a metade com os dentes que tinha, não eram todos, faltavam alguns.
Ana Maria Ramalho: Você ficava ali de algodão, nos cristais, amparando as arestas... Hoje estava relendo seu livro sobre a Manchete, adorei a história do repórter que você conseguiu livrar da demissão por causa do bigode. Conte essa história.
Arnaldo Niskier: Morreu há pouco nosso querido Fernando Pinto, foi um dos melhores repórteres da Manchete. Ele vivia os últimos anos em Brasília. Estive com ele algumas vezes. Foi, mandado por mim, para o Espírito Santo fazer uma reportagem com Domingos Cavalcante, fotógrafo, sobre as areias monazíticas. Dois dias depois, o Domingos me telefonou e disse: “Olhe, professor, vamos voltar.” Eu falei: “Que tal a matéria?”. Ele respondeu: “Não fizemos. O Fernando Pinto foi jogar no cassino, perdeu todo dinheiro e tivemos que voltar, porque não tinha como ficar.” Então, questionei: “Vocês voltam sem a matéria?” Ele disse: “Sem a matéria.” Tinha que dizer ao Jaquito que eles estavam voltando sem a matéria, porque o Fernando foi jogar e perdeu. Aí o Jaquito demitiu o Fernando Pinto, que foi para o departamento pessoal para acertar as contas. Quando estava voltando (lá na Frei Caneca, 511 ainda), encontrou o Adolpho Bloch, no meio das máquinas, que disse: “Oi, Fernando, tudo bem?” Ele respondeu: “Não, tudo mal. O senhor Jaquito me mandou embora.” Aí ele explicou. O Adolpho disse assim: “Você jogou no preto 17?” Fernando respondeu: “Não, seu Adolpho.” E Adolpho falou: “Então foi por isso que você perdeu. Volta lá, se apresente ao Arnaldo e diz que mandei você voltar. Nunca mais viaje e deixa de jogar no preto 17.”
Ana Maria Ramalho: E assim ele ficou lá.
Arnaldo Niskier: Ficou anos. Ele era o melhor repórter da Manchete, na ocasião.
Ana Maria Ramalho: Tem outra história ótima que você conta de um repórter que fez alguma coisa e o Jaquito disse: “Demite.” O rapaz usava um bigode.
Arnaldo Niskier: Chamei o rapaz, era fotógrafo, e perguntei: “Você ama esse bigode?” Ele falou: “Não, deixei por comodismo.” Eu disse: “Então, vai lá no Robertinho (que era o barbeiro) e raspa esse bigode, porque assim ele não vai reconhecer você.” Não deu outra. O Jaquito passava por mim e perguntava: “Mandou embora aquele bigodudo?” Eu respondia: “Mandei embora, claro, não tem mais bigodudo.” E assim uma das histórias, como temos tantas outras, como a do Ronaldo Bôscoli. Ronaldo era muito meu amigo.
Ana Maria Ramalho: Uma figura, muito inteligente.
Arnaldo Niskier: Ele mandava alguém colocar o paletó na cadeira dele e não vinha. O Adolpho dizia: “Arnaldo, cadê o Boscoli?” Eu falava: “Olha, o paletó dele está aí, deve estar por perto.” Aí o Adolpho acalmava, mas ele não tinha vindo.
Ana Maria Ramalho: Outro que toda hora vinha e voltava era João Luiz Albuquerque.
Arnaldo Niskier: Também, mais recente.
Ana Maria Ramalho: Ele e Adolpho brigavam, aí João Luiz viajava, ia para a Guatemala com a Elba e voltava. Era muito louca aquela casa.
Arnaldo Niskier: Uma equipe extraordinária.
Ana Maria Ramalho: A revista podia ter o melhor texto do mundo, mas, se não tivesse a foto que combinasse com aquilo, não saía.
Arnaldo Niskier: A Manchete queria imitar o Paris Match, que era fundamentalmente fotográfico. Há pouco, um ou dois meses, faleceu o Gervásio Baptista...
Ana Maria Ramalho: E a Martha Rocha. Você conta no livro uma história maravilhosa dos dois. Gervásio foi um grande fotógrafo, não se tinha acesso ao casamento da Martha Rocha com Álvaro Piano, em Buenos Aires...
Arnaldo Niskier: A família não queria fotografia do casamento. Eu disse: “Olhe, Gervásio, você vai e se vira lá.” O Gervásio malandro, baiano, esperto, perguntou onde era a igreja. Localizou e viu que tinha uma obra ao lado da igreja. Entrou na obra, subiu nos andaimes, olhou, deu para ver o interior da igreja e ficou lá esperando o momento. Na hora certa, quando a cerimônia começou, se atirou lá de cima com máquina já assestada. Quando desceu e foram para cima dele, ele fez três fotografias do casamento da Martha Rocha com Álvaro Piano. Chegou a polícia, ele tirou do bolso um filme virgem e entregou. O que estava na máquina continuou na máquina. Gervásio viajou, chegou na segunda-feira de manhã, era dia de fechamento. Revelamos o filme e tinha lá a foto da Martha Rocha com o Álvaro Piano. A única revista do mundo que deu a foto do casamento.
Ana Maria Ramalho: E ela era linda, tinha acabado de ser eleita. A revista era um espetáculo. Temos que fazer justiça. Ficávamos loucos lá dentro, mas a revista era um espetáculo. Tinha um corpo de redatores que poucos lugares tiveram. Tudo imortal. Você, Cony, Raymundo Magalhães Júnior.
Arnaldo Niskier: Sabe como o Cony foi contratado?
Ana Maria Ramalho: Conte.
Arnaldo Niskier: Eu estava com a Ruth, em Teresópolis, numa casa alugada à filha do José Lins do Rego, Betinha, que era namorada do Cony. Ela trouxe o Cony para nos visitar, no Teresópolis Country Club, hoje, infelizmente, está transformado, vai ser conjunto residencial, uma pena. Perguntei ao Cony, além do Correio da Manhã, onde ele brilhava com uns artigos, cada um mais forte do que o outro, criticando a Revolução e os seus homens, seus líderes: “Cony, o que você está fazendo?” Ele respondeu: “Nada.” Então, falei: “Por que você não vem trabalhar na Manchete?” Ele disse que nunca havia sido convidado. Na segunda-feira, fui ao Adolpho, contei a história do Cony. O Adolpho sabia quem era o Cony e lia o Correio da Manhã, sabia que não ia agradar muito aos poderosos chamando o Cony para perto dele, mas fez. O Adolpho sempre foi um homem corajoso.
Ana Maria Ramalho: Sempre, sempre. Isso ninguém pode tirar dele e era amigo dos amigos.
Arnaldo Niskier: Temos que ter muito respeito pela memória dele. Contratou o Cony, que se tornou, por circunstâncias do destino, um dos melhores amigos da minha vida. Escreveu coisas muito bonitas em relação ao que fiz em termos universitários...
Ana Maria Ramalho: Foi um grande romancista, uma bela pessoa.
Arnaldo Niskier: Aquele Quase Memória do Cony é antológico, extraordinário. Ele, quando morreu, me fez muita falta, como o Murilo Melo Filho, meu querido compadre, padrinho da minha filha Sandra, enfim, é a vida.
Ana Maria Ramalho: Raymundo Magalhães Junior, que também era imortal. Morreu atropelado?
Arnaldo Niskier: Na Praia do Flamengo. Quando ele morreu, achei que prestaria uma homenagem à memória dele se me candidatasse à Academia na vaga do Raymundo, porque um dos grandes momentos da Academia é o discurso de posse. Sei que faria um muito bonito sobre o R. Magalhães Júnior. Fui falar com o Athayde, que me olhou e falou: “Você está pensando que isso aqui tem direito de propriedade? A Manchete não é dona dessa vaga. Esquece.” Ele já tinha outro candidato. Uns seis meses depois, me liga o Austregésilo de Athayde: “Arnaldo, aqui é o Athayde. É a sua hora. Morreu o Peregrino Junior, agora você pode se candidatar que é a sua vez.” Olha que coisa bacana! Me candidatei e venci.
Ana Maria Ramalho: Muito moço você era, quando entrou para a Academia. Quantos anos tinha?
Arnaldo Niskier: Tinha 46 anos, era o mais moço a época. Já estou há 34 anos na Academia, sou o vice-decano, o decano é o José Sarney, o mais antigo. Em segundo lugar, estou eu e, em terceiro lugar, o Marcos Vilaça.
Ana Maria Ramalho: Tenho um nome, endossado por Nélida Piñon, aqui, falo publicamente, que é Haroldo Costa, para uma próxima vaga.
Arnaldo Niskier: O grande Haroldo.
Ana Maria Ramalho: Grande Haroldo Costa, honra e glória desse Brasil, ele merece ser imortal.
Arnaldo Niskier: Merece. Há espaço para mais negros na Academia.
Ana Maria Ramalho: Existe muito falatório. É negro, e daí? Você é judeu, o outro é branco e tal, tudo bem. Conceição Evaristo começou a reclamar... Haroldo Costa e Martinho da Vila são dois nomes imbatíveis.
Arnaldo Niskier: O Martinho é muito meu amigo.
Ana Maria Ramalho: Independente de cor, de credo, tem que parar com essa besteira. Haroldo Costa é imortal. É pesquisador, escritor, é um homem que tem vários livros publicados, é um intelectual e é também ator. Acho Haroldo o máximo de tudo, é meu candidato.
Arnaldo Niskier: Fez Orfeu da Conceição no Teatro República. Ele era cunhado do Ronaldo Bôscoli. O Ronaldo namorava uma das irmãs Marinho.
Ana Maria Ramalho: O Sérgio Porto escrevia na coluna dele na Última Hora assim: “As irmãs Marinho. Favor, não confundir com os irmãos Marinho.” Uma delas é casada com o Lan, o caricaturista.
Arnaldo Niskier: Tive grande prazer em saber que você foi liderada pelo José Itamar de Freitas. José Itamar foi grande diretor da Pais & Filhos, dirigiu Enciclopédia Bloch e foi diretor do Fantástico. Se estivesse vivo, até hoje estaria dirigindo o programa, porque o modelo do Fantástico, que é jornalisticamente extraordinário, foi todo produzido pelo talento dele. Ele era do interior do Estado do Rio, Miracema, mesma terra da Maria Alice Barroso, também torcedora do América, dou muito valor a esse aspecto...
Ana Maria Ramalho: Também quero falar aqui que você foi secretário em dois governos diferentes. Foi secretário de Ciência e Tecnologia no governo Negrão de Lima, quando construiu o Planetário da Gávea...
Arnaldo Niskier: Foi, saiu da minha cabeça.
Ana Maria Ramalho: E depois foi secretário de Educação e Cultura do governo Chagas Freitas. Imagino como deve sofrer mais que todo mundo vendo esse esculacho...
Arnaldo Niskier: O Dr. Chagas, entre outros méritos, mandou mexer no orçamento da Educação, isso que é a cabeça do dirigente. A obrigação legal era dar 25% para a Educação. Ele mandava dar 33% e, com isso, pude construir 88 escolas, em quatro anos. Nunca mais ninguém fez nada nem parecido. É a homenagem que se deve prestar ao homem público Chagas Freitas. Não era um tipo muito simpático, mas era um realizador de primeira ordem e não se ouvia falar em corrupção naquela época.
Ana Maria Ramalho: Não sei como essa gente não tem medo. Você tirar da saúde, roubar da população pobre. Aquele Sérgio Cabral já fez isso. Agora é pior, porque, no meio de uma pandemia, você desviar milhões e milhões, que poderiam estar socorrendo as pessoas pobres, que moram em comunidades carentes, que precisam de tudo. Nós que estamos de fora não sabemos como é que funciona e ficamos aborrecidos, mas você deve ficar dez vezes mais, porque conhece o mecanismo, os meandros.
Arnaldo Niskier: Com um detalhe: fui secretário de Estado quatro vezes. Depois fui secretário de Educação mais nove meses e secretário de Cultura dois anos e meio. É uma experiência que pouca gente tem. Fui o mais jovem catedrático no Brasil. Então, essas recordações me levaram a fazer 85 artigos para o livro Memórias da Quarentena. Recordei algumas dessas coisas, mas recordei também alguns dos filósofos com os quais pude trabalhar, ao longo das minhas aulas: Sócrates, Platão, Aristóteles, Camus, Descartes e por aí vai. Acho que quem tem gosto pelo tema, quem gosta de educação, quem gosta de filosofia, vai gostar do livro.

O jornalista e acadêmico Arnaldo Niskier foi entrevistado por Ana Maria Ramalho.