Setembro, 2020 - Edição 259

Sob os cedros do Senhor

Solidarizando-me com as vítimas da tragédia ocorrida no Líbano, a explosão do dia 04 de agosto deste ano, que abalou a zona portuária e o centro de Beirute, transcrevo poemas de nosso romanceiro Sob os Cedros do Senhor: poemas inspirados na imigração árabe e armênia no Mato Grosso do Sul, livro publicado pela editora Scortecci, em 1992. Sobre ele, escreveu Jorge Amado: “Belos poemas de Sob os cedros do Senhor. Gostei de ler ‘Na casa libanesa/Havia um tapete persa’ ou ‘São Jorge/ Grande mártir/Guerreiro lutador’ – o mundo oriental que sinto tão próximo.” Os poemas permanecem atuais e, neste momento, representam uma homenagem a toda a colônia libanesa do Brasil.

Oliveira

Oliveira,
Árvore abençoada,
Canto tua doçura,
Tua superioridade.
Que seria de meu lar sem teu azeite
Que ilumina,
Cura,
Alimenta,
Perfuma?
Sagrado pilar.
Se colocar um de teus ramos em
meus cabelos
E espalhar teu óleo em minha testa,
Tornar-me-ei rainha ungida,
Cheia de paz.



Cedros

Cedros,
Árvores imponentes,
Imensas,
Agrupadas,
Broches verdes
No peito do Líbano.
De seus troncos
Saíram navios,
Altares,
Templos.
Seus ramos e suas folhas
Testemunharam impérios,
Religiões,
Raças.
A alma do Líbano se eleva
Quando ora
Sob os cedros do Senhor.



Marujos fenícios

Gente libanesa,
Brava, decidida,
Herdeiros dos marujos fenícios.
De Tiro,
Situada à entrada do mar,

Entreposto internacional de muitas ilhas, Guarda a lembrança do esplendor,
Da beleza
Da abundância de bens:
Prata, ferro, estanho,
Artefatos de bronze,
Cavalos e corcéis,
Dentes de marfim e ébano;
Trocava mercadorias,
Artigos finos:
Granada, púrpura,
Tecidos bordados,
Linho,
Corais e rubis;
De Israel recebia trigo, mel, azeite,
De Damasco, vinho e lã,
De Dã, cássia e cana aromática,
Da Assíria, tapetes coloridos.
Tiro era rica, opulenta,
Em navios lançavam-se os remadores,
Marujos fenícios
Que o vento desmantelou pelos ares



Primavera do Líbano

A primavera floresce no Líbano,
É toda vermelha e púrpura,
Reclinada na montanha,
Erguida nos mastros dos cedros.
Gente da Europa,
Ásia,
África,
Vem te dar prestígio,
Sorver o clima de paraíso.
A um passo da tecnologia e do petróleo
Tudo é luz,
Exuberância,
Cálices violáceos.
Todos se saciam com teu queijo
De leite fresco,
Tuas cerejas,
Teus vinhos
E se vestem de linho,
Sedas coloridas.
Tua primavera é de fartura,
A libra corre pelas ruas
Como ouro líquido
E brilhas como joia.
Nos jardins,
Jovens meditam
Máximas de Shakespeare,
Enquanto orquestras de pássaros e
instrumentos
Cantam tua primavera.



Complexo Líbano

Líbano,
Pequeno país asiático,
Dividido
Entre religiões,
Facções,
Etnias,
Multifacetado
Como um cristal.
Líbano,
Páis de muitas cabeças,
Cristãos:
Moronitas,
Gregos,
Romanos,
Ortodoxos,
Assírios,
Nestorianos;
Mulçumanos:
Sunistas,
Xiitas,
Drusos.
Como ser uno
E diverso?
Ó complexo Líbano!



Guerra no Líbano

A guerra não é libanesa.
De onde vieram a tempestade
arrasadora,
Os espíritos selvagens,
Os perigos na fronteira?
Ó Líbano refinado,
Alma sonhadora,
Mente racional,
Terra de mel, de leite,
De tradições milenares,
Esta guerra não é tua,
Não és o autor,
És palco e vitima
De sangrenta tragédia.



Escombros

Os escombros da guerra
São cinzentos,
Despojos cor de chumbo,
De fuligem,
De carbono.
Os escombros da guerra
São móveis,
Objetos,
Vidros,
Ferros,
Corpos retorcidos e negros
Como cascas de árvores
Depois do incêndio.
De colorido,
Azul e rosa,
Sobre um altar de fumaça,
Só a imagem de Nossa Senhora
Das Dores do Líbano.


Por Raquel Naveira - da Academia Sul-matogrossense de Letras