Setembro, 2020 - Edição 259

Pedro Caetano, o cronista musical de seu tempo

Consagrado por sambas, valsas e marchinhas, compositor teve sucesso gravado por Elis Regina e gravou disco dedicado ao Espírito Santo. Em sua autobiografia, 54 Anos de Música Popular Brasileira – o que fiz, o que vi, Pedro Caetano se definia, de forma bem-humorada, como “um cara que começou logo dando confusão”. O compositor se referia ao fato de que ele nasceu em 1911, no dia 1º de fevereiro, em uma fazenda no município de Bananal (SP). No entanto, o pai, Durval Mendo Caetano, somente veio a registrá-lo no dia 24, deixando que o escrivão anotasse o nascimento na data do registro. Trabalhador rural de origem simples, Seu Durval também ignorou quando o escrivão registrou o nome do filho como Pedro Walde Caetano, ao invés de Pedro Waldyr Caetano, conforme desejava a esposa.

“Um dia, quando precisou mandar vir uma certidão do registro de nascimento para o Serviço Militar, o cara descobriu que não tinha mais nascido no dia 1º de fevereiro e nem se chamava Pedro Waldyr Caetano. Não deu ‘bola’. Passou a apagar as velinhas no dia 24 e a assinar Pedro Walde Caetano, tranquilamente”, divertiu-se o compositor no primeiro capítulo do livro.

Com três anos de idade, Pedro Caetano foi levado pelos pais para outra fazenda, em Maricá, no Estado do Rio, de onde se mudou com a família aos 12 anos para a cidade do Rio de Janeiro. Na então Capital Federal, empregou-se como sapateiro e começou a compor as primeiras músicas com os colegas na ponte do Maracanã, que ficava na altura da Rua Senador Furtado, onde morava. Por meio de um amigo em comum chegou a Sílvio Caldas, a quem apresentou um samba-choro de sua autoria. Estávamos na primeira metade da década de 1930, e Sílvio Caldas já fazia sucesso com sambas e marchinhas. Sílvio gostou da canção “metade samba, metade choro” do jovem compositor e decidiu apresentá-la no Programa Casé, da Rádio Phillips, “numa quarta-feira de 1934”.

Assim teve início a carreira de Pedro Caetano como compositor profissional. Logo ele conheceria seu primeiro parceiro, Claudionor Cruz, com quem compôs a valsa Caprichos do Destino, sucesso na voz de Orlando Silva em 1938.

Requisitado por gravadoras e cantores, Pedro Caetano transformou-se em uma máquina de composições em série. Suas criações ganharam vida nas vozes de Dircinha Batista, Orlando Silva, Aracy de Almeida, Francisco Alves, Cyro Monteiro, Carlos Galhardo, Gilberto Milfont e Odete Amaral, entre outros intérpretes de destaque nos anos 1940.

Entre os seus maiores sucessos estão a marchinha Eu brinco (“Com pandeiro ou sem pandeiro/Eu brinco/Com dinheiro ou sem dinheiro/Eu brinco”), lançada por Francisco Alves durante a Segunda Guerra Mundial; e o samba É Com Esse que eu Vou (“É com esse que eu vou/Sambar até cair no chão/É com esse que eu vou/Desabafar na multidão”), lançado no Carnaval de 1948 pelos Quatro Ases e um Coringa e regravado décadas depois por Elis Regina.

Porém o maior sucesso sentimental, segundo revelou em seu livro de memórias, é a valsa Guarapari. O compositor aprendeu a amar o balneário capixaba desde o momento em que foi apresentado à cidade por sua esposa, Rosa Provedel Caetano, uma italiana criada no Espírito Santo, que ele definia, com bom-humor, como “italiana da pesada”. Após o lançamento da canção pelo seresteiro Nuno Roland, na Rádio Nacional, Pedro Caetano recebeu o título de Cidadão Guarapariense, virou nome de rua e emocionou-se com o sentimento de gratidão manifestado pelos moradores em cartas, telefonemas e telegramas.

Depois de Guarapari, o autor dedicou canções a Vitória, Domingos Martins, Colatina, Marataízes, Santa Teresa, Cachoeiro de Itapemirim, Linhares, São José do Calçado, o balneário de Jacaraípe, na Serra... Foram tantas as viagens e músicas inspiradas no Espírito Santo que, em 1985, no bojo das comemorações dos 50 anos de carreira do compositor, o governo do Estado lançou o LP Pedro Caetano – Afinidades (50 Anos de Música e seu Capixabismo). Com produção esmerada, este disco está à altura do mestre e registra o seu amor pelo Espírito Santo nas vozes dos Grupos Céu da Boca e de músicos convidados.

Entre outros temas de raro lirismo, destaca-se a marcha Vitória Cidade Sol, celebrizada como o Hino Emocional de Vitória, com os versos que traduzem o carinho do compositor pela capital capixaba: “Cidade Sol, com o céu sempre azul/Tu és um sonho de luz norte a sul/ Meu coração te namora e te quer/Tu és Vitória um sorriso de mulher”. Pedro Caetano nos deixou em 27 de julho de 1992, no Rio de Janeiro, aos 81 anos. Morre o artista, eterniza-se a obra. Seu legado permanece vivo na obra de um artista gigante, que fez da crônica musical profissão e que soube como poucos utilizar o dia a dia como inspiração para narrar os desafios e virtudes do povo brasileiro. Que as novas gerações tenham a oportunidade de aprender a amar o Brasil – e o Espírito Santo – por meio de suas canções.

Por José Roberto Santos Neves - jornalista, escritor e membro da Academia Espírito-Santense de Letras