Setembro, 2020 - Edição 259
Aproximação a autores africanos de expressão portuguesa
A Literatura em geral vem passando por uma fase de acentuada diversificação, em que são criadas demandas por novos autores, novas vozes, novas
visões. É certo que o público leitor ficará condicionado a demandas geridas por
quem fornece o produto (o livro), dentro das regras de marketing e obedecendo
às leis de mercado, mas o comércio de livros pela internet favorece o desenvolver desse processo.
Aproveitemos essa tendência. Além de dar voz a atores historicamente
alijados do ato de narrar, o que vem acontecendo com força nos últimos tempos, é interessante conhecer as expressões literárias de outras terras, outros
lugares. Nesse contexto é que adquire relevo a Literatura produzida no continente africano, em especial nos países de língua e/ou expressão portuguesa.
Destaco os casos de Angola e Cabo Verde, países de fortes ligações com o Brasil,
embora arrefecidas hoje em dia em matéria de cultura.
Ao se falar em Literatura de Angola, os antenados se lembrarão de José
Eduardo Agualusa e de Artur Carlos Maurício Pestana dos Santos, o Pepetella.
Trata-se de autores estudados nas Universidades brasileiras, ao lado do (com
razão) festejado moçambicano Mia Couto. Já sobre a Literatura cabo-verdiana,
poucos saberão dizer alguma coisa.
No entanto, a produção literária desses dois países em particular (a eleição deve-se a premência de espaço) é bastante significativa. A Literatura dos
países africanos de expressão portuguesa foi pensada pelos intelectuais locais
como um dos meios de moldar as nações resultantes do processo de independênciados anos 1970, e a produção surgida desde mais ou menos os anos 1950
já apresentava essa preocupação. O ciclo da guerra colonial motivou obras de
importância para autores como o luso-angolano José Luandino Vieira e o português Antônio Lobo Antunes, para ficarmos em poucos exemplos.
Sob esse viés, Luandino Vieira é bastante representativo. Foi-lhe atribuído o Prêmio Camões em 2006, que, entretanto, recusou, e por motivos
irreverentes: considerou que um tal prêmio deveria ser conferido a um autor
ainda vivo, isto é, que continuasse a produzir, e à altura considerava-se “morto”.
Inobstante isto, publicou dois livros naquele ano. Saramago o considerava
“precursor da literatura angolana”, referindo-se ao processo de pensar o país
independente, livre de laços administrativos com a metrópole portuguesa.
Já Cabo Verde, como se sabe, é uma nação insular, situada a mais de 500
quilômetros da costa ocidental do continente africano. Terra da morna, gênero
musical que notabilizou Cesária Évora. Centro cultural importante do país, se
não o mais, é a cidade de Mindelo, na Ilha de São Vicente, onde reside Germano
Almeida.
Vencedor do Prêmio Camões de 2018, Almeida é o mais conhecido
autor cabo-verdiano, inserindo-se numa fase literária posterior àquela de formação das literaturas nacionais. Ao pintar a terra e seus tipos, embebe o pincel
em tintas de fina ironia, e seus dezoito títulos publicados constituem verdadeira carta de apresentação das coisas locais.
Interessante aproximação aos autores africanos de expressão portuguesa
pode-se iniciar pelos nomes citados. Essas maneiras diferentes de perceber
os próprios mundos, tão diversos e, ao mesmo tempo, tão próximos da nossa
realidade, prestam-se perfeitamente como exercício de alteridade. Como nos
proporciona a boa Literatura.