Setembro, 2020 - Edição 259
A morte do poeta
Sérgio Luiz Blank (1964-2020), poeta capixaba, foi eleito para a
Academia Espírito-santense de Letras (AEL) em junho de 2020, em disputada eleição com outros candidatos inscritos. Alguns de seus amigos
o intitulavam de o maior poeta capixaba, título difícil de ser aferido,
tal o número de bons poetas capixabas existentes. Só na Academia
Espírito-santense de Letras, temos Humberto Del Maestro, Matusalém
Moura, Ester Abreu, Gracinha Neves, Wanda Alckmin, Ítalo Campos,
Anaximandro Amorim, Adilson Vilaça, Jorge Elias, Fernando Achiamé,
Jô Drumond, Evandro Moreira, Marcos Tavares, Oscar Gama, Carlos
Nejar, Luiz Busatto, Getúlio Neves, Magda Lugon, todos excelentes poetas.
Após a sua eleição, Sérgio me procurou e solicitou, como Presidente
da AEL, que marcasse logo a sua posse, pois aguardava um transplante
de fígado e temia não poder esperar muito. Assim o fizemos e, no dia
22 de julho de 2019, Sérgio Blank tomou posse na cadeira 09 da AEL,
sucedendo ao Prof. Américo Barbosa de Menezes, na presença de
muitos amigos e conterrâneos de sua Cariacica natal. Foi saudado por
Fernando Achiamé, que discorreu sobre sua trajetória de poeta, iniciada
aos 20 anos, com a publicação de seu primeiro livro, Estilo de Ser Assim
Tampouco, em 1984, a que se seguiram Pus, 1987, Um, 1989, A Tabela
Periódica, 1993, Vírgula, 1996, e o clássico infantojuvenil Safira, 1991,
livro com várias reedições.
Sérgio Blank passou mais de vinte anos sem publicar e, em
2017, sua obra completa saiu pela Editora Cousa, com o título Os Dias
Ímpares. Nesse período, Sérgio atuava como produtor cultural, na divulgação
do livro e da leitura e como oficineiro de produção poética, além
de lutar contra uma cirrose que o destruía lentamente. Em 2019, Sérgio Blank
publicou sua última obra, Blue Sutil, livro composto de uma prosa
poética minimalista, delicada, repleta de ternura e de uma verve irônica
e sutil que acompanhava sua produção literária em sua visão de mundo
e da miséria humana. O ressurgimento literário de Sérgio Blank foi uma
alegria para nós, seus amigos, que o acompanhávamos e respeitávamos
o seu silêncio. Com o advento das redes sociais, Sérgio angariou muitos
amigos e seguidores, principalmente entre os jovens poetas, que com
ele se identificavam e muitos leitores que curtiam e compartilhavam
seus posts líricos, sarcásticos ou de amor ao livro e à leitura. Sua última
ação nas redes sociais foi a criação do grupo “Ex Libris”, em que divulgava quadros e tiras sobre o livro e a leitura, sua paixão.
No dia 22 de julho de 2020, exatamente um ano após a sua posse
na AEL, Sérgio Blank foi mais uma vítima da violência, tornando-se
parte da estatística estadual que revela 594 assassinatos ocorridos de
janeiro a junho deste ano, um número vinte por cento maior do que o
do ano passado. Provavelmente, um crime de homofobia, uma tipificação inexistente nas anotações policiais, o que dificulta a confirmação
desse tipo de homicídio do cidadão do grupo LGBT. Sérgio nos deixa
para ir se juntar a seus amigos, Amylton de Almeida e Lacy Ribeiro, essa
também vítima da violência social como ele. Tomara esse crime não
fique impune, como o de Lacy.
O anel que tu me deste (Pus, 1987)
parte um
gente que nasceu em meu ano
não pensa a guerra
pedala sem tocar qualquer chão
pessoas que são poucas coisas
passeios suados de bicicletas
findando nos ônibus de rodoviárias
nas caronas já caretas
partem dois
escritórios de textos poéticos
de bossa à beça
basta de bosta na festa
besta com fama de lenda
bis de novo
nada de neo
herói demitido
a moto mata os mitos
o destino dos mortos
máquina de moer carne
resta meu rosto
farelo de rosca
risco de farsa e elo
entre tudo mesmo
eu não falo mais nada
eu não valho
a tensão presta serviço
escreve o lucro do escravo boçal
cabeça caída em távola de bar
agora eu vou
um tanto além de embora
morrer de rir
engasguei com a gargalhada
gargarejo de papo e papel
encalhe no brasil
partem todos
(da infância esquecida
ao ultrapassado das rugas)
Sérgio Luiz Blank