Agosto, 2020 - Edição 258
Sugestões de leituras para a tal de quarentena
Nesta terrível temporada da pandemia que assola o mundo, temos
tido belos exemplos de solidariedade, de ajuda de todos os tipos, de mutirões voluntários para amenizar o sofrimento. O egoísmo tem dado lugar
ao altruísmo e ao heroísmo em benefício do próximo. Vem, assim, em boa
hora, a oportuna iniciativa do Presidente da Academia Mineira de Letras,
escritor e professor Rogério Faria Tavares, de solicitar aos membros da Casa
a indicação de bons livros para serem lidos neste tempo de exílio forçado,
por meio do site e do Facebook da nossa tradicional agremiação. Foi a mensagem que recebi de Gabriella Pawlowski, estagiária da área de comunicação
da Academia a que tenho a honra de pertencer desde 1995, sucedendo ao
consagrado Cyro dos Anjos (primeiro Presidente da Associação Nacional de
Escritores – ANE, hoje presidida por Fabio de Sousa Coutinho) na cadeira nº
1. Presidia a Academia (hoje com 110 anos) o saudoso benemérito Vivaldi
Moreira, mais tarde justamente aclamado Presidente Perpétuo, graças à sua
dedicação e fecundo trabalho.
Ofereço minha modesta contribuição.
Sempre gostei muito de livros de crônicas, memórias, biografias, até
diários, e também de contos e romances de aventuras. O que não dispensa
um Machado de Assis, um Flaubert, um Stendhal, um Vitorino Nemésio, um
Luís Forjaz Trigueiros, Eduardo Frieiro, Ítalo Calvino, Borges, Isaac Bashevis
Singer, Umberto Eco, Gabriel García Marquez, aqueles notáveis russos,
Thomas Merton, Carlos Fuentes, Naguib Mahfouz (o egípcio ganhador do
Prêmio Nobel de Literatura de 1988, autor de Noites das Mil e uma Noites),
Rachel de Queiroz, tantos outros. Em especial, nossa rica literatura brasileira,
como vocês sabem. Bibliotecas e livrarias (e sebos!), estantes virtuais: são um
nunca acabar. Ainda bem.
Mas, nesses tristes dias de pandemia de coronavírus (Covid-19), de
confinamento social, permitam-me sugerir uma leitura mais leve, mais
amena, posto que muito interessante e sedutora.
Para começar, crônicas, um dos gêneros de minha predileção, um rio
que corre desde o Império, com o já citado Machado (o amado Bruxo do
Cosme Velho), Alencar, Raul Pompéia, Francisco Otaviano de Almeida Rosa,
Lima Barreto, João do Rio, Bilac, Vicente de Carvalho (também poeta), tantos
outros, chegando a Carlos Drummond, Bandeira, Rubem Braga, Elsie Lessa,
Paulo Mendes Campos, Vivaldo Coaracy, Alberto Deodato, José Bento Teixeira
de Salles, mais outros tantos. Recomendo abrirem o Portal da Crônica
Brasileira, na internet, recentemente criado em São Paulo pelo belorizontino
Humberto Werneck e uma equipe de primeira linha.
Não esperem deste modesto cronista uma vistosa relação erudita e
sofisticada. Não destacarei nenhuma obra específica da nossa admirável literatura brasileira. Cometeria injustiças, destacando uns e olvidando outros.
E nada de Plutarco, Suetônio, Tácito, Tito Lívio, Júlio César, Cícero, Thomas
Carlyle, Edward Gibbon ou Mommsen, ligados ao mundo da História, minha
paixão. Sou navegador de pequeno curso, de cabotagem, de beira-mar. Aqui
e agora, abro minha lista com As minas do Rei Salomão, de Henry Ridder
Haggard, que encanta jovens, adultos e idosos, como eu, avô de quatro netos.
Os leitores de As Minas do Rei Salomão caminham penosamente em busca do
tesouro real no misterioso e mágico coração da África, paraíso que seduziu
Hemingway, deslumbrado com as neves do monte Kilimandjaro. As Minas do
Rei Salomão virou filme duas ou três vezes. Já li o livro umas três ou quatro
vezes, em diferentes traduções para o nosso vernáculo. Eça de Queiroz, cativado, o traduziu para o português. O livro passa até como obra dele, em certas
errôneas bibliografias. O talentoso grande homem da Póvoa do Varzim era
apenas um fã da criação do autor inglês.
Prossigamos com A Ilha do Tesouro, de Robert Louis Stevenson, e com
Nos Mares do Sul, do mesmo autor escocês, que também escreveu O Médico
e o Monstro.
Meu saudoso amigo poeta, prosador e acadêmico Lêdo Ivo (cuja vasta
obra a escritora e acadêmica Elizabeth Rennó conhece muito bem) escreveu
um livro intitulado A Ética da Aventura. Ele foi (como eu e meu velho amigo e
confrade acadêmico Pedro Rogério Moreira) um infatigável leitor da Coleção
Terramarear, da editora Saraiva. Era uma coleção de livros de aventuras. O
escritor alagoano aborda, no capítulo inicial, as famosas obras aureoladas
pela aventura, pelo maravilhoso, pela imaginação, pelo encantatório, saídas
das penas de Emilio Salgari, Mayne Reid, Edgard R. Burroughs, Ballantyne,
Stevenson, Kipling, Mark Twain, Jack London, Ridder Haggard, Fenimore
Cooper, Melville. Mas Lêdo Ivo não se esquece de mencionar Proust, Thomas
Wolfe, Dickens, Balzac e o nosso grande escritor cearense José de Alencar.
Lêdo Ivo (que foi membro da Academia Brasileira de Letras e da
Academia de Letras do Brasil, está fundada em Brasília em 1987) poderia enriquecer sua narrativa mencionando Daniel Defoe, que maravilhou o mundo
com Robinson Crusoé, Os Amores de Moll Flanders, Uma História dos piratas
e (cruz-credo!) Diário do Ano da Peste.
Nesse capítulo, A Ética da Aventura (que dá título ao livro), Lêdo Ivo
(1924-2013) poderia acrescentar autores como Sir Arthur Conan Doyle (o
pai de Sherlock Holmes e do fiel Watson), que escreveu também Contos de
Piratas. Presumo que Daniel Defoe, Conan Doyle, Jules Verne e Karl May não
foram contemplados na Coleção Terramarear.
Acabaram ficando de fora também Jonatham Swift (As Viagens de
Gulliver), Sir Walter Scott (Ivanhoé) e outros clássicos de narrativas desse jaez,
muitas delas com ensinamentos morais, explícitos ou subliminares.
Escritores dos séculos XVIII e XIX gostavam muito de escrever sobre
façanhas de piratas, flibusteiros, bucaneiros, corsários, reluzentes tesouros
escondidos no Caribe, aventuras oceânicas, galeões carregados de ouro e
prata, pau-brasil, papagaios, macacos e outros animais exóticos, especiarias,
etc. E o público adorava (vá lá o verbo sacramental) essas histórias excitantes. Já antes, os próprios livros em forma de diários de Colombo, Vespúcio,
Pigafetta e outros navegantes viraram best-sellers.
E nem falamos de Heródoto, Estrabão, Marco Polo, Fernão de Magalhães
e Sebastián Elcano, Vasco da Gama, Cabral, Ponce de León, Alvar Nuñez
Cabeza de Vaca, Fernão Mendes Pinto, Capitão James Cook, Fernão Dias Paes
Leme, Henry Stanley, Richard Francis Burton (o do século XIX), Amundsen,
Scott, nosso bem-aventurado Cândido Rondon.
Para suportar o forçado recolhimento caseiro nesta amarga quarentena, permitam a este modesto escriba também sugerir a deliciosa fruição da
leitura das variadas edições desse livro imortal e monumental das literaturas
persa e árabe que é As Mil e uma Noites. Um clássico do encantamento e da
fantasia. Temos uma impecável, talvez insuperável tradução do árabe por
Mamede Mustafa Jarouche, professor da USP (são quatro volumes maravilhosos).
A bela Scherazade, com suas histórias contadas para o poderoso sultão Shahriar, pode ajudar-nos a tornar nossas noites de quarentena mais
agradáveis e até felizes. As Mil e uma Noites, com ou sem tapetes mágicos:
esse clássico escrínio de histórias é um fiel retrato da alma humana, dividida
entre o Bem e o Mal, a poesia, a luz e as trevas. Com sensualidade, humor,
suspense e sabedoria. Um livro de muitos autores, escrito durante séculos.
Aqueles contos são obras-primas da arte de contar histórias. Naquele conjunto, os leitores encontrarão maravilhas, encantamentos, magos, trapaceiros,
ladrões, assassinos, dervixes, princesas, odaliscas, pessoas muito simples do
povo, grão-vizires, eunucos, megeras, tiranos, invejosos. Entre o fantástico e
o sobrenatural, terão surpresas, espantos, sustos. Ali, as paixões humanas em
tumulto. O mundo em que viveu o poderoso sultão Haarum-Al-Rachid.
Ensina-nos o mestre Mamede Mustafa Jarouche, diante da magia de
Bagdá, Kufa, Mossul, Cairo, Damasco e dos mares singrados por Sindabad, o
marujo, o navegante:
“São todas narrativas que, a seu modo, discorrem sobre o homem, suas
ambições e seu destino; falam, portanto, a uma vasta gama de seres humanos
e sensibilidades, em muitos tempos e lugares, apresentando, enfim, aquela
característica tão peculiar não só às Mil e uma Noites, mas a toda grande obra
literária: a capacidade de interessar e deleitar, indistintamente, qualquer leitor que ame uma boa história.”
Zuenir Ventura escreveu: “Quem apostou na morte do livro morreu
primeiro.” E Michael Ondaatje, autor de O Paciente Inglês, cunhou esta frase:
“O livro é um jantar solitário.”
O tempo dos leitores confinados em casa será também muito bem
empregado na leitura de duas obras sedutoras e muito bem ilustradas:
Manual dos Lugares Fantásticos, de Alberto Manguel e Gianni Guadalupi, e
História das Terras e Lugares Lendários, de Umberto Eco.
Fé em Deus, saúde, serenidade, esperança, um pouco de meditação e
prazerosa leitura para todos vocês, queridos e pacientes leitores!