Agosto, 2020 - Edição 258
Galáxia dos dias
Galáxia dos Dias, um baú comemorativo da obra do poeta goiano Gabriel Nascente, lançado pela Editora Kelps, reúne toda a poesia
do autor. Trata-se de uma caprichadíssima coletânea contendo quatro
volumes de mais de mil páginas cada um, com poemas revisados e,
alguns deles, ampliados. A ideia da compilação se deu devido a muitos
livros do poeta já estarem esgotados, não sendo encontrados sequer em
sebos.
Os prêmios nacionais que acumulou ao longo da carreira comprovam a robustez da obra do ocupante da cadeira nº 40 da Academia
Goiana de Letras. Finalista do Prêmio Jabuti 2001, com A Torre de Babel;
vencedor do Prêmio Nacional de Poesia Cruz e Sousa de Literatura, com
A Lira da Lida, em 1996; segundo lugar no certame nacional de poesia
Centenário de Henriqueta Lisboa, de Belo Horizonte, também com A
Torre de Babel, além de outros chuviscos de prata pelo Brasil afora, culminou com o mais significativo deles, o Prêmio Nacional de Poesia da
Academia Brasileira de Letras, com A Biografia da Cinza, em 2014.
O autor de Os Gatos (primeiro livro, lançado em 1966) costuma
dizer que existe algo intuitivo que vai além do intelecto, que escreve
por ele: “Como se fosse um outro eu, o lado anjo e frugal da usina que
jorra palavras lá de cima, da alma dos mistérios.” Sob o fluxo da criação
divina, quando a poesia “chega”, sai o Gabriel Nascente e fica o poeta,
com o seu ofício.
Aos 70 anos, Nascente “respira” poesia. Nascido em Goiânia, no
dia 23 de janeiro de 1950, a infância do menino “Bié” foi vivida, ao lado
de sete irmãos, em contato com a rudeza operária da marcenaria do seu
pai, Antônio Estrela Nascente (Seu Tunico), um dos pioneiros da construção da nova capital goiana. “Era um poeta sem caneta na mão, mas
de suas mãos saíam contornos mágicos para a fabricação de molduras e
de móveis, com madeira nobre”, relembra saudoso.
Estudou Eletrotécnica na Escola Técnica Federal de Goiás, mas
sua paixão sempre foi a poesia. Publicou o primeiro livro aos 16 anos
e nunca mais parou. Seu nome figura em diversas antologias, inclusive
em edições bilíngues, com poemas traduzidos e publicados em vários
idiomas, dos Estados Unidos a Grécia, com extensa participação em
jornais, revistas brasileiras e estrangeiras. É reconhecido internacionalmente pela crítica, além de detentor dos prêmios nacionais. Em 1978, a
Academia Paraibana de Poesia lhe outorgou o título de “O Embaixador
da Poesia Brasileira”.
Publicou mais de 60 livros, incursionando por diferentes gêneros,
desde o ensaio, ficção, reportagens, narrativas, crônicas, além da poesia.
Tendo estreado em livro ainda na adolescência, sua produção é impressionante, resultando na média de um volume por ano. Editor de diversas revistas e jornais de Goiânia, destacou-se como âncora editorial
do suplemento literário (LEIA), do Jornal Diário da Manhã. Escreveu,
durante anos, crônicas para o jornal O Popular, de Goiânia.
Seu nome é citado com verbetes em diversos dicionários e enciclopédias da literatura brasileira, merecendo do poeta e acadêmico
Carlos Nejar, da Academia Brasileira de Letras, elogioso texto no importante livro História da Literatura Brasileira.
Ex-presidente do Conselho Municipal de Cultura de Goiânia, o
assessor cultural do Tribunal de Justiça de Goiás acredita que a poesia
deve causar “abalo sísmico” na sensibilidade receptora de quem a lê. O
leitor precisa sentir um choque tênue de vibrações emocionais ao ler
um grande poema; do contrário, “não é matéria do etéreo”, afirma.
A modernidade o aborrece. Segundo ele, a humanidade está cada
vez mais robótica, sem alma. Com o advento da “infernet”, acredita que
as pessoas já não querem mais pensar, estando viciadas à praticidade
alienante do automatismo tecnológico, onde tudo é magnético: “É a
síndrome universal da preguiça de pensar.”
Para o autor de Galáxia dos Dias, o surgimento da geração tecnológica é preocupante: “Daqui a pouco, eles, em seus laboratórios de
informática, estarão ensinando o computador a escrever poesia.” Mas o
poeta é taxativo: “Podem fazer o que quiserem, mas jamais apagarão a
supremacia estética de um William Shakespeare, de um Cervantes, ou
de um Victor Hugo, Milton, Ezra Pound – esses cânones de magnitude
universal.”
Em 2017, ao lançar o CD Poemas de Garganta, relembrou as poesias “tribunícias”, conhecidas como poesia de engajamento social para
resistir e combater a ditadura militar no Brasil, por volta dos anos 1970.
A origem de seus textos, do ponto de vista estilístico, é atribuída por ele
à oratória e a tribuna. Até hoje há vestígios dessa prática em seu dia a
dia, pois, quando escreve, costuma conversar, escutando a voz da poesia: “Uma loucura criativa que arranca suores da minha alma. O poema
é, antes de tudo, um ser semântico, estético, que não morre. Sai de um
mistério e entra para o clarão das imagens, criando outro mistério. A
poesia em mim é faísca que vira incêndio.”
Indagado sobre o futuro do gênero poético, sentenciou: “Enquanto
houver coração batendo, haverá espaço para a poesia, que tem eternidade o suficiente dentro dela para sobrepujar-se às invenções magnéticas, químicas, cirúrgicas e tecnológicas – que fabricam monstros e
ilusões em nome de uma civilização extremamente narcisista. Mata-se
o homem, mas nunca o esplendor cognitivo do pensamento. Portanto,
a globalização não passa de uma psicose coletiva, que delira até babar,
depois declina, à procura do romantismo.”
Para o jornalista e escritor goiano Adovaldo Sampaio: “Sua produção poética realizada até agora é um acontecimento cultural e editorial
(da digitação ao acabamento) que põe Gabriel Nascente no ponto culminante da Arte e da Cultura de Goiás, do Brasil, das Américas, com
ecos e reverberações nos outros continentes. Estofo, ousadia, fé e tenacidade para isso o Poeta tem.”
Todo o espírito poético do “Embaixador da Poesia Brasileira” pode
ser conferido na íntegra na caprichada coletânea Galáxia dos Dias, leitura obrigatória para os amantes de poesia.