Agosto, 2020 - Edição 258

As coleções acadêmicas

Às Academias de Letras cabe – ideia central da sua criação e permanência – o cultivo da língua e da literatura nacionais. Das regionais, e hoje existem Academias de Letras na maioria dos estados, espera-se um especial empenho no cultivo das expressões literárias do seu âmbito de atuação. Assim, uma das funções das Academias é o de renovar o interesse por certa produção literária que, julgada relevante em seu tempo, possibilitou o ingresso do autor na casa. Tudo isso tem a ver com a noção de imortalidade acadêmica, isto é, a perenização da produção de cada acadêmico, que, em última análise, constitui o patrimônio das nossas casas de letras.

Mas não só de acadêmicos se deve tratar. A Academia Brasileira instituiu ao longo dos anos coleções nas quais publica obras raras, porque esquecidas ou porque deixadas de lado, em cujo rol constam trabalhos de escritores acadêmicos ou não. Em especial as coleções Afrânio Peixoto (idealizador e executor do projeto de publicação pela ABL de obras julgadas importantes) e Austregésilo de Athayde (presidente que consolidou o processo de dotar a ABL de condições materiais adequadas), além da coleção Antônio de Morais Silva, especializada em estudos sobre a língua portuguesa.

Deve-se a tal iniciativa da Academia Brasileira o acesso facilitado a obras de importância, como a correspondência de Machado de Assis e a de Alphonsus de Guimaraens, os contos de Domício da Gama ou as obras literárias de Lúcio de Mendonça, o idealizador da casa. Dentre os meus volumes da Coleção Austregésilo de Athayde, colho, por exemplo, Tragédia Épica (Guerra de Canudos), de Francisco Mangabeira, publicado originalmente em 1900. De que outra maneira, a não ser em visita a certas bibliotecas e arquivos públicos, se poderia ter acesso a títulos como esse?

Da mesma forma, a Academia Espírito-santense de Letras, à qual pertenço, se empenha em facilitar ao público o acesso a obras fora de circulação. Em parceria com a Prefeitura Municipal de Vitória, cuida da publicação de coleções literárias que contemplam títulos importantes para a cultura local e já pouco acessíveis. Pretende, por esse meio, não só democratizar o acesso à informação, como também difundir ideias relevantes para a comunidade no processo de autoconhecimento e de formação de identidade. Textos de Afonso Cláudio de Freitas Rosa, Maria Stella de Novaes, Serafim Derenzi, entre outros, todos nomes importantes para a cultura regional, foram republicados na coleção José Costa; autores como, entre outros, Renato Pacheco, Elmo Elton, José Carlos Oliveira, Rubem Braga, Marly de Oliveira, Geir Campos (são já trinta e um volumes publicados), tiveram vida e obra dissecadas nos títulos da coleção Roberto Almada, ele mesmo poeta de importância reconhecida nas letras locais.

Esse é um trabalho importantíssimo realizado pelas Academias de Letras, cuja responsabilidade social deve ficar constantemente evidenciada. Se para o público leitor curioso do conjunto da produção literária que nos trouxe à atualidade as coleções acadêmicas constituem o principal meio de conhecer obras raras, para o pesquisador em geral representam a via de acesso ao material com que constrói o seu trabalho. Seja como for, a publicação de tais coleções trata-se de iniciativa de evidente interesse público.

Por Getúlio Marcos Pereira Neves é membro dos Institutos Histórico e Geográfico Brasileiro e do Espírito Santo e do PEN Clube do Brasil.