Julho, 2020 - Edição 257
Relendo Murilo, que soube ler o seu tempo
O sinal terrível do nosso tempo é a ausência de grandeza. Todos se recusam a ser grandes. Não quero, porém, que meu país seja um mendigo ingrato,
uma coisa insignificante, ou a pátria dos recalcados e dos raivosos, mas uma
nação positiva e criadora, amante do seu grande destino.
Assim está escrito à página 63 de um livro de Murilo Melo Filho intitulado Tempo Diferente, publicado pela editora Topbooks em coedição com a
Academia Brasileira de Letras, e no qual ele traça um painel admirável de escritores, líderes políticos e jornalistas que deixaram os seus nomes na história do
país, entre eles o autor das linhas em epígrafe – o hoje quase esquecido Augusto
Frederico Schmidt –, que não foram pinçadas ao acaso, mas pela sua notória
atualidade.
Neste livro, relido agora, reencontro tanto o Murilo repórter, acadêmico, memorialista, biógrafo e crítico literário, quanto o sujeito cordial, sempre
afável, de quem guardo esta dedicatória, de 8 de setembro de 2005: “Deixo aqui
este Tempo Diferente, tão diverso dos tempos atuais, de corrupção, ‘mensalões’
e tantos escândalos, com o abração carinhoso deste amigo que muito se orgulha de ser seu conterrâneo”.
Naturalmente a nossa conterraneidade enraizava-se em um chão nordestino que tornava o seu Rio Grande do Norte e a minha Bahia um território
afetivo indivisível, a nos fazer patrícios, ao mesmo tempo, do grapiúna Jorge
Amado e do potiguar Café Filho, dois dos tipos inesquecíveis da galeria pintada
por Murilo.
Em cores vivas, ele descreve Natal – onde nasceu aquele que, sem ter
concluído o curso primário, veio a substituir Getúlio Vargas na presidência da
República – como a cidade em que a divisão social atingia até os peixes: de um
lado, os raros e caros xaréus; do outro, os abundantes e baratos cangulos. Não
faltou empatia a Murilo Melo Filho em relação aos apertos vividos pelo canguleiro João Café Filho antes, durante e depois de ter presidido o país por um ano
e poucos meses, até morrer “com humildade e discrição”.
Louvado das orelhas à contracapa pelos acadêmicos Arnaldo Niskier,
Tarcísio Padilha e Cândido Mendes, Tempo Diferente reúne pequenas histórias
de figuras importantes em diversas áreas.
Como estamos no Jornal de Letras, os destaques finais vão para os
capítulos dedicados a Alceu Amoroso Lima, Carlos Drummond de Andrade,
Guimarães Rosa, José Lins do Rego, Otto Lara Resende e a sincera, transparente,
meiga e doce, com a sensibilidade nordestina à flor da pele, Raquel de Queiroz.
Saudades eternas, querido Murilo.