Junho, 2020 - Edição 256

Entrevista - Izabela Murici

Gestão educacional

Arnaldo Niskier: Izabela Murici é consultora da famosa Falconi, que tem sede, primeiro, em Belo Horizonte, mas que, hoje, trabalha em todo Brasil cuidando, particularmente, de educação. Você gosta de tratar de educação?

Izabela Murici: É isso mesmo. Há 20 anos venho trabalhando com projetos em gestão em educação. Sempre na Falconi, trabalhando para ajudar, melhorar os resultados, melhorar o desempenho dos nossos alunos no processo educacional, porque isso significa futuro para o nosso país. Temos essa crença, a gente atua com organizações que são mais eficientes em gestão e vemos um movimento da sociedade como um todo, das empresas, dos governos de aprimorar a gestão, e isso promove melhor os resultados. Mas claro que tem que ter continuidade de políticas que são importantes, com foco nas causas dos problemas. Existe uma série de fatores que devem ser considerados, mas tem que ser otimista e tem que trabalhar em prol da melhoria do nosso país.

Arnaldo Niskier: Hoje, particularmente, quais são os projetos que são mais importantes para você?

Izabela Murici: São os projetos de atuação no segmento público de educação, educação básica, trabalhando desde a educação infantil, porque é o início de todo o processo educacional, até chegar ao ensino médio. Então, acredito, os mais importantes são esses que têm o foco no setor público e na melhoria desses resultados, porque a maior parte das matrículas, a maior parte da população, está no setor público. Temos também uma atuação expressiva no segmento elevado, que tem o seu papel, a sua importância, sua relevância, mas não podemos deixar de atuar, de ajudar nesse processo na educação pública.

Arnaldo Niskier: E você trabalhou com o professor Wilson Risolia quando ele esteve na Falconi, depois ele veio, onde está hoje, para dirigir a Fundação Roberto Marinho, que faz um grande trabalho pela educação. Que lembrança você tem desses tempos com o Risolia?

Izabela Murici: Só as melhores lembranças. Trabalhei com Risolia em duas oportunidades: quando ele era secretário de Educação aqui do Rio, e desenvolvemos um projeto muito bacana, estruturador da política pública educacional do Estado. Isso foi de 2011 até 2013, e, posteriormente, de 2015 até 2018 quando ele foi para a Falconi e que fortalecemos, desenvolvemos novas soluções, e fez uma expansão grande da nossa atuação na educação. Risolia é um ser humano fantástico, de um coração enorme, e muito sensível para as questões importantes para a sociedade. E educação é o que toca o coração do Risolia e toca meu coração também.

Arnaldo Niskier: A Falconi opera no Brasil todo. Você se lembra de alguns projetos que estejam no Nordeste, por exemplo?

Izabela Murici: Sim. Particularmente, já trabalhei em vários Estados do Nordeste, municípios também, trabalhando com a estruturação, com o fortalecimento de sistemas de gestão, mas sempre com foco na melhoria da aprendizagem, seja pelo IDEB (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica), seja pela alfabetização quando vamos para as redes municipais com um olhar na melhoria de fluxo da aprovação dos alunos, formação de professores e em todas as políticas que são necessárias para impactar positivamente o processo ensino/aprendizagem. Existem desafios grandes em todos os Estados, e não é diferente, já trabalhamos também e viemos trabalhando com Estados do Sudeste, e têm também dificuldades e problemas no Sul. Acho que existem causas e problemas que são comuns à sociedade brasileira, à rede pública brasileira. Tivemos oportunidade, lá no início dos anos 2000, de trabalhar por um bom tempo no Estado do Ceará, que hoje é uma referência em educação.

Arnaldo Niskier: Um Estado teoricamente que tem menos recursos do que São Paulo, Minas, Rio, por exemplo, e, de repente, virou modelo. Como você explica isso?

Izabela Murici: Há alguns fatores que levaram o Estado do Ceará a conseguir esse resultado. Primeiro, a continuidade de uma política que foi acertada, que foca em gestão em alfabetização, na relação com os municípios, no apoio que o Estado dá para os municípios em processos de formação, desenvolvimento, seleção de professores, de gestores. A profissionalização da gestão educacional, isso de uma forma pulverizada entre vários municípios e no próprio Estado também. Quando se tem anos de continuidade e evolução, não é só continuidade, um processo de melhoria contínua, os resultados aparecem, as boas práticas aparecem e hoje o Ceará e municípios como Sobral são referências para o Brasil. É a vontade de fazer acontecer e de mudar a realidade e os resultados educacionais. Foram feitas intervenções e definições de políticas importantes ali no município e, de novo, mesmo com mudanças de prefeitos, de secretários houve continuidade e o cuidado para que aquele processo continuasse. E a sociedade passa também a participar desse processo, a ver que está dando certo, que a qualidade, os resultados dos alunos nos processos, nas avaliações são muito bons, são referências.

Arnaldo Niskier: Isso é muito bonito, porque passa a ser modelo para outros Estados, porque tem gente que diz: “Não, não tenho recursos, não tenho posses, não tenho capacidade, não tenho uma porção de coisas”, mas, de repente, aparece Sobral, aparece o Ceará e eles brilham. Formação de professores é um problema enorme hoje em nosso país. A que você atribui tanta dificuldade?

Izabela Murici: Hoje temos uma situação importante quando falamos de formação de professores. Vou fazer uma análise mais ampla. Quando discutimos a qualidade do ensino, os resultados da aprendizagem dos alunos que são um resultado-fim, vamos para os meios e vemos que um dos fatores mais importantes para o resultado pedagógico e para a qualidade é o papel da função docência, e nisso temos uma série de questões, que a formação de professores está relacionada aí. Temos uma baixa atratividade para a carreira e isso faz com que não tenhamos candidatos que tenham altas notas e...

Arnaldo Niskier: Por falar nisso, saímos há pouco dos dramas do ENEM. Você acompanhou de perto e viu que a escolha dos nossos alunos em termos de magistério é 2%. É muito baixa. Acho que o magistério já teve mais prestígio. Foi só o salário que motivou isso? Qual sua opinião?

Izabela Murici: Acho que tem uma série de questões. Foi feita uma pesquisa pela, se não me engano, OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), para avaliar quantos alunos, qual percentual de alunos, de jovens de 15 anos têm interesse de seguir a docência. E só 2,4% desses manifestaram interesse. E aí tem a questão da baixa atratividade, tem a ver com salário, mais oportunidades de crescimento, o reconhecimento social, isso com certeza, a formação, o desenvolvimento dos profissionais, a possibilidade de crescimento. Tem uma série de fatores. Mas vemos que, na prática, de dois a cada dez ingressantes no ensino superior vão para a docência, então 20%, e aí tem questões também que acabam sendo a possibilidade daquele jovem que está saindo do ensino médio e que vão seguir uma carreira, vai seguir os cursos de licenciatura e pedagogia.

Arnaldo Niskier: Quais são as carreiras mais atraentes hoje?

Izabela Murici:Hoje existem carreiras voltadas para a tecnologia, engenharia, mas vemos muita dificuldade no ingresso. Existem muitas vagas. É mais difícil, então tem que ter um preparo maior. Quando vemos as carreiras ligadas à docência, mais de 70% dos ingressantes têm nota média abaixo da média do ENEM, ou seja, está atraindo também alunos que não tiveram, que não conseguiram desenvolver a formação adequada, e são esses alunos que vão dar aula, são esses profissionais que vão dar aula para as crianças e jovens. E é mais importante trabalhar uma série de políticas, desde o ingresso, o desenvolvimento desses professores na formação inicial, dentro dos cursos, ter um currículo voltado para a prática, ter ações que de fato desafiem esse professor, que traga para a realidade e, depois, quando está dentro da sala de aula, ter acompanhamento, estágio probatório ser para valer, ter o apoio de profissionais mais experientes, ter processos de avaliação com base nas competências, com base no crescimento profissional, e não progressão somente por tempo de carreira ou formação.

Arnaldo Niskier: Você falou que é um contingente com uma formação precária. Como é que se corrige isso na prática? Você tem mais de 20 anos nessa consultoria importante na Falconi, você trabalha com as Secretarias de Educação municipais, estaduais. Como é que se faz essa correção, se é que ela é viável?

Izabela Murici: Ela é viável, acreditamos que seja viável, mas é um processo. Até existe uma proposta que foi capitaneada pelo “Todos pela educação”, o “Educação já”, que trata de alguns pilares para a melhoria do resultado da educação no Brasil. Um deles é a valorização e formação de professores. Ali são colocados, concordamos com os pontos, de que é necessário subir a regra. Termos uma nota mínima para ingresso nos cursos de pedagogia, sem necessário, por exemplo, a utilização do ENEM de ter algum tipo de incentivo para alunos que tenham alto desempenho para vir para a carreira docente também. Tem uma questão salarial que, ao longo do tempo, precisa ser revista. Hoje o professor da educação básica recebe em média 70% do que a média dos profissionais de ensino superior. Então ainda tem uma defasagem, está prejudicado. É um conjunto de políticas não só para atrair, mas para desenvolver, dar perspectiva de futuro que vai fazer com que os jovens que tenham um desenvolvimento adequado busquem a carreira de professor, mas hoje existe um contingente significativo de pessoas que precisam, necessitam e que estão ali trabalhando sério e duro, e que as Secretarias têm que olhar para fazer um trabalho de formação continuada, trabalhando as lacunas, tendo uma referência de competências para esses professores que foque na prática, didática.

Arnaldo Niskier: Você acha que a modalidade de educação a distância (EAD), que hoje cresce muito em nosso país, pode ser utilizada de forma mais intensa no que se refere à formação dos professores?

Izabela Murici: Existe, no Brasil, hoje, uma parcela significativa dos alunos que se formam em licenciatura e pedagogia, egressos de cursos a distância. Existe uma tendência, até uma questão de nova organização da sociedade das pessoas, a busca por flexibilidade, por novas possibilidades, e a educação a distância se encaixa aí. Quando falamos de professor, de formação de professores, já existe uma parcela significativa de alunos nessa modalidade, na educação a distância. Precisa ter primeiro um currículo, uma definição clara que competências são necessárias para o professor que privilegia a prática, a didática, as atividades que vão fazer a diferença no processo de aprendizagem dos alunos, e aí é importante mesmo, na modalidade EAD, que tenha atividades que sejam práticas, que os estágios sejam realizados, que tenha acompanhamento, porque é diferente entender e aprender a teoria e ir para a prática de sala de aula, que existe uma série de desafios diferentes daquilo que foi ensinado que é preciso vivenciar e conseguir resolver aqueles problemas. Então é necessário ter uma prática bem estruturada, uma supervisão bem estruturada que trabalhe de fato aquelas competências que são essenciais para nossos professores.

Arnaldo Niskier: Para o bem do nosso país, desejo muitas felicidades nesse seu trabalho muito bonito.

Transmitida em nível nacional, no Programa Identidade Brasil, Entrevista apresentado, por Arnaldo Niskier, no Canal Futura.