Junho, 2020 - Edição 256

A poética de Nejar

A urgência da leitura tem seu registro em inúmeros pensadores, filósofos e escritores, entre os quais destaco três grandes autores hispânicos: Borges, para quem somos feitos do que lemos; Cortázar, que defende: se não podemos mudar o mundo devemos mudar a função da leitura e Carlos Fuentes, que declara a necessidade de relermos o que já lemos. Deve-se ler de novo e sempre, como se o tempo fosse uma inversão da leitura.

Um livro é sempre outro quando o relemos. Na releitura, encontramos outros sentidos no texto. E, na poesia, onde há uma zona sensível e vibrante na imediata consciência do homem que se comove diante de um fato ou uma visão, é sempre um prazer. Além disso, num poema, há uma estrutura incorpórea que comove o leitor, principalmente quando o autor do poema, como um alquimista da linguagem, faz dela um provocante jogo metafórico e simbólico.

Entre as várias leituras que pratiquei nesses dias de quarentena, ofereço meu encantamento pelo percurso poético de Carlos Nejar, escritor que faz parte da Academia Brasileira de Letras e da Academia Espírito-santense de Letras, ocupando nesta a Cadeira 15



Os elementos que estimulam a reflexão e as metafóricas expressões mais impactantes são o mote para a apresentação das obras que apresento, esperando que a poesia de Nejar encontre alguma resposta ou se faça mais perguntas acerca das questões que habitam nosso cotidiano. As obras são expostas pela ordem de sua publicação e, em alguns casos, ocorre a republicação.

Na obra Amar, a Mais Alta Constelação; sonetos (1991), o poeta apresenta um amor cósmico. Em seus sonetos, em decassílabo e hexassílabos, filigrana o amor por Elza, família, casa, animais, frutas, coisas sensíveis e aparentemente insensíveis.

A seguir, em Elza dos Pássaros ou a Ordem dos Planetas (1993), uma série de delicadas cantatas privilegiam o tema do amor. A amada é a interlocutora, relembrando O Cântico dos Cânticos. O amado, filosófico, procura transmitir suas emoções com variadas imagens.

Em Sonetos do Paiol: ao sul da aurora (1997), o paiol é o tema central. Metáfora como o Éden ou como o paraíso bucólico de Virgílio, cantando a Idade de Ouro. Neles, o poeta menciona animais domésticos, plantas, e um espaço ideal de beleza.

Ainda em 1997, encontra-se a obra Velam Pagos (Móbiles), da Coleção Almeida Cousin, do Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo (IHGES). Esse livro, nessa coleção, foi uma espécie de homenagem que o IHGES fez a Nejar, publicando seus versos na coleção que recebe o nome de seu antecessor na AEL. Nesse livro, há uma coleção de delicados haicais.

O livro Os Dias pelos Dias (1997) tem como tema predominante a liberdade pessoal e social ao mesmo tempo. Detecta-se na obra uma busca da verdade e, ainda que sejam diálogos poéticos, pela forma, pode ser levada para o palco como uma peça de teatro poético ou lírico.



No livro antológico A Idade da Noite, Poesia I (2002), Nejar reúne sete livros. Uns são inéditos, outros reedições, para pronunciar seu sentimento humanitário pelos povos, seja os da América ou não.

A obra A Idade da Aurora, Poesia II (2002), como a obra anterior A Idade da Noite, é uma coletânea de obras, já publicadas. Elas se unem umas às outras de maneira independente. Foram escritas em Vitória e Guarapari, ES, durante todo o ano de 1988 até março de 1990.

Como alguns livros dessa compilação já foram aqui mencionados destaco para exemplificar Livro de Gazéis, que reportam aos poemas de origem árabe, surgidos no século XV, forma lírica recriada pelo granadino Federico García Lorca, como “Gazel do Amor Desesperado” (Gacela del amor desesperado).

Nejar é cabalístico nas imagens das poesias, mas é também na prosa, no teatro e no ensaio, mas, neste panorama poético que me proporcionaram essas obras de Carlos Nejar, é possível comprovar as ricas possibilidades interpretativas que a releitura de sua poesia facilita ao leitor, com o requinte de suas figuras de linguagem. Observa-se uma partição no uso das palavras: fortes, como calabouço, poço, túnel, morte, rio, rochas e vento, para designar o destino do homem; e palavras e expressões suaves, como pássaros, cotovia, maçãs, gorjeios, aurora, “Teu coração flutua”, “teu braço sonha”, para falar da amada. Seus poemas têm ritmo, seus versos curtos rítmicos e sonoros são densos, mas a linguagem é clara, mesmo quando faz referência a mitos clássicos. O conhecimento sobre a humanidade, a natureza e o Amor estão entre os temas trabalhados por esse escritor que não cabem nestas pinceladas, frutos de uma volta sempre necessária segundo Borges, Cortázar e Fuentes ao texto e principalmente a um texto com a qualidade do poeta Nejar.

Por Ester Abreu Vieira de Oliveira*

*Ester Abreu Vieira de Oliveira é presidente da Academia Espírito-santense de Letras.