Maio, 2020 - Edição 255

O preconceito contra a velhice em tempos do coronavirus


Por Bernadette Lyra*


É certo que temos uma caidinha por humor. Mesmo em tempos tão tristes de coronavírus, não se pode ignorar que memes engraçados nas redes sociais nos arrancam um sorriso, uma risada ou mesmo uma gargalhada. Mas o que é leviano e até contraproducente para as medidas de contenção à propagação da pandemia é que, às vezes, esse tipo de postagem vem em forma de trocadilhos e piadas sobre pessoas que estão naquela fase da vida chamada velhice e recebem inúmeras denominações: idosos, velhos, adultos maduros, da terceira idade, da melhor idade etc. Tais termos vão se acomodando às mais diversas situações sociais, e podem revelar a existência de preconceitos por parte da sociedade para com o indivíduo que está envelhecendo.

É verdade que na aurora da vida, como diz o poeta, o indivíduo vaga a esmo, pula cercas e corre atrás de uma bola sem nada temer. E na juventude parece que tudo vai durar por uma eternidade. Depois, quando os anos disparam com a velocidade de um maratonista, as alegrias, as tristezas, as resoluções e os sonhos vão mudando de jeito e feitio, vão se acomodando, embora os entendidos digam que o envelhecimento depende menos da idade fisiológica que da idade psíquica ou da social, pois cada vez mais se comprova que existem pessoas de 60 anos ou menos que estão muito mais frágeis e incapacitadas do que outras de 85, cheias de vida e energia. Também se comprova que envelhecer é uma experiência vivida como individual, que pode ser positiva ou negativa, como bem demonstra a frase de Bibi Ferreira, ao lamentar a perda de saúde: “o envelhecimento é a prova de que o inferno existe.”

Indiferentemente a circunstâncias biológicas, psíquicas ou sociais, fato é que existe uma correspondência entre o modo como a velhice é encarada por uma determinada sociedade e as atitudes que são tomadas com relação àquelas pessoas que estão envelhecendo. A própria Bibi Ferreira, cultuada pelo seu trabalho artístico, é a melhor prova de que aquilo que a pessoa fez com seus anos vividos se torna muito mais importante de que a quantidade de anos que tem.

No entanto, em pleno século XXI, a sociedade do consumo valoriza apenas o que é novo, pois a produção e acumulação de capital dependem de uma constante renovação, descartando tudo que, com o passar do tempo, é considerado velho. Assim, a humanidade vivencia um paradoxo: ao mesmo tempo em que a longevidade está sendo cobiçada e sustentada por tecnologias corporais de saúde, os idosos têm seu papel negado e até ridicularizado no tecido social.

*Bernadette Lyra é professora emérita da Ufes. Especializada em cinema, fez pós-doutorado na Sorbonne, em Paris