Maio, 2020 - Edição 255

Banhistas

O melhor momento do dia é o banho. Mergulhar o corpo numa água quente, que nos faça regressar ao útero de nossa mãe. Muita espuma, perfume, sal, óleos grossos e folhas de eucalipto podem completar a sensação de calma e ternura. Bom é poder tomar banho de rio. Tetê Espíndola, lá em São Paulo, sufocada entre os prédios, cantou que sentia saudades de ver a morena tomando banho de cachoeira e nadando num rio de luar. Que imagens lindas! A cachoeira na noite, o rio refletindo os astros, a mulher imersa na tepidez das águas. Que esquecimento de tudo! Que grande consolação!

Observar os banhistas sempre foi tema recorrente para a pintura e para a poesia. O poeta carioca Carlito Azevedo (1961, 59 anos), crítico de arte, publicou o livro de poemas As Banhistas (Rio de Janeiro: Imago, 1993). A ideia lhe ocorreu depois de ter visto o quadro impressionista de mesmo nome do pintor Paul Cézanne (1839-1906). Trata-se de uma obra figurativa, de formas geométricas, retratando mulheres nuas tomando banho. As camadas de tinta são generosas. Curiosamente, não existe curso d’água, mar ou rio, apenas um fundo azul, intenso, natureza e mulheres num todo único, indizível.

O quadro foi exposto no Salão de Outono de Paris, em 1901. Pablo Picasso (1881-1973), influenciado por Cézanne, criou o célebre Les Demoiselle d’Avignon, iniciando assim seu caminho no cubismo. Escreveu Carlito no poema As Banhistas: “Apenas em frente/ ao mar/ um dia de verão.” O poeta viu, então, extasiado, sobre a pele de fogo das banhistas, a brisa fazendo “rasgaduras de água”. Como é rico esse diálogo entre artes plásticas e poesia. O mesmo motivo rendeu mais quadros impressionistas. Monet (1840-1926) já havia pintado banhistas no rio Sena. Alguns passeando de barco, outros nadando entre efeitos de cores luminosas.

Os antigos romanos criaram as termas, destinadas a banhos públicos. De manhã, iam as mulheres. À tarde, os homens. As mais famosas termas foram as de Delos, Olímpia, Caracala, frequentadas por imperadores como Nero, Trajano e Tito. Queria lavar-me junto às fornalhas em brasa, num culto à deusa Hígia. Daí surgiu a palavra “higiene”. Higiene do corpo e da mente. Sauna terapêutica e mágica.

Regenero-me a cada banho. Penetro em rios, telas, ondas do mar. Minha alma liberada das tristezas reconcilia-se com o compromisso de viver, sagrado esforço. É sempre uma iniciação, um batismo, uma purificação, um novo estado de graça, o rito dessa lavagem lustral.

*Raquel Naveira é membro da Academia Sul-Mato-Grossense de Letras.

Por Raquel Naveira*