Maio, 2020 - Edição 255

Adeus a Rubem Fonseca – luto na literatura


Por Manoela Ferrari


Em meio a tantas notícias tristes durante a crise provocada pela pandemia do Covid-19, a morte de Rubem Fonseca nos deixou um enorme vazio. Faltam-nos palavras, mas sobram gratidão e reconhecimento por esse autor que, com a intensidade de sua obra, renovou a literatura brasileira no século XX.

Vítima de uma parada cardiorrespiratória, aos 94 anos, Fonseca deixou 33 livros, entre contos, romances, novelas e antologias. Avesso a entrevistas e ao “holofote das celebridades”, movimentava contratos milionários entre editoras, mas aceitava opiniões e sugestões, sem estrelismos. Despojado e recluso notório, era descrito pelos amigos como “falante e engraçado, além de afetuoso e generoso”.

A generosidade de um dos autores brasileiros de maior sucesso, entre os anos 1960 e 2000, podia ser conferida em seus textos. A profunda erudição e a precisão de sua linguagem eram marcas do seu estilo. Rubem Fonseca se tornou um dos poucos escritores nacionais de ficção a ser um best-seller, livro após livro. Era um dos autores brasileiros mais conhecidos e traduzidos no exterior.

O primeiro livro de contos, intitulado O Prisioneiro, foi lançado em 1963, quando Fonseca tinha 38 anos. Coleções como A Coleira do Cão (1965) e Lúcia McCartney (1967) se seguiram, com o primeiro romance, O Caso Morel, chegando dez anos depois da estreia. A coletânea Feliz Ano Novo, de 1975, com seus relatos de sexo, violência e conflitos de classes, foi censurada pelo governo da ditadura militar. A proibição serviu para aumentar ainda mais o apelo do livro com o público.

Fonseca também se arriscou como roteirista na TV e no cinema, tanto adaptando obras próprias, como A Grande Arte (que Walter Salles dirigiu, em 1991) e Agosto (que virou minissérie, em 1993), quanto transportando as palavras de outros autores para as telas, como fez com O Homem do Ano (filme de 2003, inspirado em livro de Patrícia Melo).

Seu personagem Mandrake, um advogado despido de valores morais, sempre circulando pelo submundo carioca, foi vivido por Marcos Palmeira em série da HBO exibida entre 2005 e 2007.

Considerado um dos principais nomes da literatura policial brasileira, seu mais recente trabalho foi o livro Carne Crua, de 2018, que reuniu contos inéditos. Colocando a cidade no centro de suas narrativas, consolidou-se como um observador da violência urbana e da miséria humana.

Entre os inúmeros prêmios (somou seis “Jabutis”), venceu, em 2003, o Camões, o mais prestigiado da literatura em língua portuguesa. Em 2015, ganhou o Machado de Assis, concedido pela Academia Brasileira de Letras. A cerimônia de entrega foi uma das raras aparições públicas do autor. Na ocasião, declarou: “Sou um homem idiossincrático e idiossincrasias não se explicam.”

Natural de Juiz de Fora (Minas Gerais), nasceu em 11 de maio de 1925, mas morou, desde a infância, no Rio de Janeiro. Formado em Direito pela Universidade do Brasil (hoje, Universidade do Estado do Rio de Janeiro), entrou para a polícia do Rio como comissário do Distrito Policial de São Cristóvão, chegando ao cargo de delegado, experiência que levou para a literatura. Zé Rubem, como era conhecido na intimidade, deixou três filhos (Beatriz, José Carlos e José Henrique) e uma legião eterna de fãs. Segundo a amiga e acadêmica Nélida Piñon: “Rubem Fonseca morreu sendo imortal.” Viva “a grande Arte”!

Obras de Rubem Fonseca:



• Os Prisioneiros, contos, 1963
• A Coleira do Cão, contos, 1965
• Lúcia McCartner, contos, 1667
• O Caso Morel, romance, 1973
• O Homem de Fevereiro ou Março, antologia, 1973
• Feliz Ano Novo, contos, 1975
• A Grande Arte, romance, 1983
• Vastas Emoções e Pensamentos Imperfeitos, romance, 1988
• Agosto, romance, 1990
• Romance Negro e Outras Histórias, contos, 1992
• O Selvagem da Ópera, romance, 1994
• O Buraco na Parede, contos, 1995
• História de Amor, contos, 1997
• A Confraria dos Espadas, contos, 1998
• O Doente Moliére, romance, 2000
• Pequenas Criaturas, contos, 2002
• Ela e Outras Mulheres, contos, 2006
• Axilas e Outras Histórias Indecorosas, contos, 2011
• Amálgama, contos, 2013
• Histórias curtas, contos, 2015
• Calibre 22, contos, 2017
• Carne Crua, contos, 2018