Abril, 2020 - Edição 254
A Presença da Morte
A morte? A morte sempre tem hora e vez. Não duvido e não duvido mais desde o que aconteceu comigo há três anos, fato que não esqueço, sendo só contar para arrepiar, não de medo, mais por dúvidas, pois sempre restam algumas em tudo.
Imagine só. Estava eu em leito de hospital, operado de úlcera perfurada. Foi, sim. Na hora, despertava da anestesia, aos pouquinhos, devagar, só, no quarto, tonto e turbado. Olho aberto, via tudo nublado.
Eis que então na porta do quarto vi um vulto magro, alto, envolto em pano cinza.
Seu corpo inteiro, ventava forte em torno de seu corpo inteiro e ele segurava consigo uma espécie de bastão com estandarte metálico e curvo na ponta do cabo longo, o que mais me pareceu ser uma estranha foice.
Coisa que hoje imagino melhor, com nitidez, sendo mesmo o que era, uma grande foice. Foi, sim, por mais que digam a mim, quando conto, feito agora, que tudo não passou de fantasia minha. O que sequer importa, pois fosse ou não fantasia, foi o que foi.
Além, mais pressenti que o vulto me enxergava com atenção insegura.
Mirava assim, disposto, porém desconfiado.
Notei. Tinha o olhar de quem duvida e confere.
Por mais que digam a mim, quando conto, que tudo não passou de um sonho, o que sequer importa, pois fosse ou não sonho, foi o que foi: aquele vulto alto, lá, com uma grande foice na porta do quarto de meu leito no hospital. E, se ventava forte, só ventava em torno dele, do corpo inteiro dele, o vento agitando os panos, o manto cinza que envolvia seu corpo, um vulto com a dúvida no olhar, mais sua grande foice em pé na mão.
Creio que vi, crendo ou descrendo no que via na porta do quarto, detido em meu susto ao ver. Deveras até hoje estranho a visita incerta, comigo entregue também à duvida... do medo.
Sim, porque diante da morte nunca temos certeza do medo que sentimos. Com certeza, se é que sentimos medo nessa hora, pois quem há de saber se o medo de então é medo mesmo?
Ou é alívio, o que sentimos? Diante da morte...
...justo alívio por certa bem-aventurança devida, a liberdade prenunciada pela presença da morte. Livre estando então quem morre, por não mais se encontrar detido nas restrições do tempo em vida.
Quem sabe? Diante da morte, na frente do fim da vida, quem sabe é assim?
Sendo alívio em vez de medo, o que sentimos.
Aí! Houve o que houve!
Tudo porque perguntei a hora. Não mais do que isso.
Por lhe perguntar a hora. Ao vulto.
Ele? Não era de ter voz rouca. Nem grave. Nem soturna. Nada disso. Tinha voz de quem seduz, voz de bom tempero e temperatura precisa, a voz da morte, sim.
Apenas respondeu, mas conforme quem diz somente para si, me respondendo na hora:
– Ora, a hora de agora?
Não! Não é ainda a sua hora! – sussurrou seguro, embora um tanto a contragosto.
Disto desapareceu contrariado, aquele vulto, creio que sim.
Quanto a mim?
Sinceramente, confesso e juro...
... abandonado, nunca me senti tão sozinho.
*José Arrabal é professor, jornalista
*José Arrabal é professor, jornalista e escritor, autor de contos, novelas e romances.